quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Imposto de Renda nos Fundos de Renda Fixa

Fonte - SRF

Resumo
O estudo trata dos critérios de apuração do imposto de renda nos fundos de investimentos de renda fixa. É mostrado o desenvolvimento de fórmulas de cálculo aplicáveis a uma série de operações de resgates e de cobranças periódicas do imposto. As fórmulas levam em conta somente variáveis financeiras usualmente conhecidas de um investidor-padrão .O desenvolvimento analítico das expressões de cálculo é precedido por um breve histórico da legislação, com destaque para o
modelo tributário em vigor, de alíquotas regressivas no tempo.
Seguem-se apontamentos de conclusão, que definem os contextos de aplicação das expressões desenvolvidas. Por último, apresenta-se um exemplo prático, em que se mostra o cálculo dos
valores do imposto e de resgates, na mesma seqüência em que apresentados no
desenvolvimento analítico.

O IMPOSTO DE RENDA DOS FUNDOS DE RENDA FIXA
José Antonio Schöntag
Coordenador de Tributos – FGV-Projetos
Auditor Fiscal da Receita Federal - Aposentado

Introdução
As normas tributárias do mercado financeiro costumam refletir a complexidade do ativo tributado. Nos fundos de renda fixa, porém, a complexidade tributária decorreu de um objetivo extra-fiscal: para estimular o aumento dos prazos de permanência, a lei tornou regressiva a incidência do imposto.
Nos fundos de investimentos, até 1999, havia cobrança somente nos resgates, o que condicionava a arrecadação do Governo a uma decisão do investidor. Essa condição foi superada a partir daquele ano com a instituição de uma cobrança periódica, que veio a ser conhecida como "come-quotas". Inicialmente aplicada ao final de cada mês, passou a semestral em 2004.
Na incidência periódica e nos resgates era aplicada uma mesma alíquota, 20%, sobre o rendimento. O sistema em vigor foi implantado em 2005. Os fundos de renda fixa foram segregados em fundos de curto e longo prazos. Nestes, a incidência periódica permaneceu semestral mas foi reduzida a 15%, alíquota também aplicável aos resgates depois de o investimento completar 2 anos.
Resgates em prazo inferior a 1 semestre, a 1 ano e a 2 anos passaram a ser tributados a 22,5%, 20% e 17,5%, respectivamente. Nessas três situações a incidência semestral (a 15%) tornou-se uma antecipação do imposto, cuja apuração e cobrança definitivas deslocaram-se para os resgates.
O objetivo deste artigo é demonstrar os procedimentos de determinação do imposto em resgates posteriores a cobranças periódicas, nas quais uma parte do montante devido foi antecipada sob uma alíquota menor que a do resgate.

Desenvolvimento analítico
Considere-se um fundo de investimento de renda fixa no qual, em uma data t, é feita uma operação financeira envolvendo qt quotas, sendo Qt o saldo do quantitativo de quotas antes da operação e pt o valor da quota. Vamos acompanhar, neste desenvolvimento, as incidências do imposto sobre um
fluxo de operações que se inicia em t0, com uma aplicação no valor de p0.q0.
Posteriormente, em t1, é descontada do investimento a primeira cobrança periódica do imposto, p1.q1, seguindo-se um resgate de p2.q2, em t2. Em seqüência, ocorre a segunda cobrança periódica, em t3, no valor de p3.q3 e, finalmente, é feito o resgate total em t4, de p4.q4.

Investidores, em princípio, não sabem os valores da quota (pt) nem os seus quantitativos (qt ou Qt), mas conhecem os valores das operações (pt.qt) e os saldos do investimento (pt.Qt). Além disso, pedem resgates parciais pelo valor líquido, o que exige do administrador do fundo, em operação reversa, calcular o imposto por reajustamento de base e, assim, determinar o efetivo valor a baixar da aplicação.

Na primeira cobrança periódica, é simples perceber, a base de cálculo do imposto é o rendimento produzido no período de tempo que vai de t0 a t1, que é igual a

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R1 = p1.q0 – p0.q0 = q0.(p1 – p0), sendo o imposto descontado igual a p1.q1.
A operação seguinte ocorre em t2, quando o investidor solicita ao fundo um resgate parcial de p2.qII, sendo a diferença (p2.q2 - p2.qII) o imposto (IP2) a ser cobrado na operação:
IP2 = p2.q2 - p2.qII (I)
O administrador do fundo deve, então, em primeiro lugar, determinar a base de cálculo do imposto (R2) e, sobre ela, aplicar a alíquota (α) para assim obter o imposto devido (ID2).
Mas, por hipótese, já houve uma cobrança antecipada do imposto, em t1, no valor de p1.q1. Sendo parcial o resgate em t2, o aproveitamento do imposto (antecipado em t1) se fará na proporção do resgate (em t2) em relação ao saldo do investimento.
Seja k a fração do investimento resgatada. Para o resgate em t2, a fração k2 será:
k2 = p2.q2 / p2.Q2 = q2 / Q2
Em um resgate total, o imposto a pagar é a diferença entre ID2 e p1.q1. Mas, tendo sido resgatada apenas uma fração k2, o imposto a pagar será IP2 = α.R2 – k2.p1.q1 (II) Fazendo iguais os segundo termos das expressões (I) e (II), resulta p2.q2 = p2.qII + α.R2 – k2.p1.q1 (III)
Na expressão (III), somente k2 e R2 não são conhecidos pelo investidor. O próxima etapa, portanto, é a determinação de R2. Mas, para a apuração de R2 será necessário, previamente, conhecer o rendimento
que integraria a base cálculo do imposto se o resgate fosse total. Ou seja, é necessário determinar RT2 em primeiro lugar, e depois R2.
Há duas alternativas para determinar RT2. Neste desenvolvimento, vamos considerar que a base de incidência do imposto seja constituída por dois rendimentos sucessivos (justapostos)1, o primeiro produzido de t0 a t1 pelas q0 quotas da aplicação inicial, e o segundo, de t1 a t2, pelas Q2 quotas resgatadas, o que nos leva a RT2 = q0.(p1 – p0) + Q2.(p2 – p1) de cujo desenvolvimento resulta
RT2 = p2.Q2 – p0.q0 + p1.q0 – p1.Q2 (IV) A expressão (IV), embora correta, contém dois termos com fatores ‘cruzados’ (p1.q0 e p1.Q2) que, por hipótese, não são conhecidos do investidor.
Mas, por definição, Q2 = q0 – q1, e fazendo a substituição no termo de produtos cruzados, resulta:
1 A outra alternativa consiste em considerar RT2 constituído por dois rendimentos complementares (sobrepostos), o primeiro produzido no período de t0 a t1 pelas q1 quotas do imposto antecipado e o segundo, no período de t0 a t2, pelas Q2 quotas resgatadas, de onde RT2 = q1.(p1 – p0) + Q2.(p2 – p0). Segue-se o mesmo desenvolvimento.

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RT2 = p2.Q2 – p0.q0 + p1.q0 – p1. (q0 - q1)
Desenvolvendo e simplificando, chega-se à expressão:
RT2 = p2.Q2 – p0.q0 + p1.q1 (V)
Na (V), finalmente, temos a base de cálculo do imposto expressa em função de valores conhecidos do investidor: a aquisição das quotas em t0, o imposto cobrado em t1 e o saldo do investimento em t2.
Destaque-se, de (V), que a base de cálculo do imposto em um resgate total é a diferença entre o valor resgatado e o aplicado, acrescida do imposto antecipado na incidência semestral (ou seja, a cobrança no resgate incide também sobre o valor do imposto já descontado).2 Mas em t2, de fato, não houve um resgate total e, para ajustar a expressão (V) a um resgate parcial, será necessário multiplicar os seus termos por k2, como segue:
k2.RT2 = k2.Q2.p2 – k2.q0.p0 + k2.q1.p1
Sendo RT2 o rendimento tributável de um resgate total, então k2.RT2 representa a base de cálculo de um resgate parcial na fração k2 de RT2, que vem a ser R2. Além disso, por definição, k2.Q2 = q2.
Resulta, então: R2 = p2.q2 – k2.(p0.q0 - p1.q1) (VI)
A expressão (VI) traduz a base de cálculo do imposto em um resgate parcial subseqüente a uma única cobrança periódica do imposto. Substituindo R2 de (VI) em (III):
p2.q2 = p2.qII + α.[p2.q2 – k2.(p0.q0 - p1.q1)] – k2.p1.q1
Substituindo k2, desenvolvendo e simplificando, p2.q2 = (p2.Q2).(p2.qII) / [(1-α). (p2.Q2 + p1.q1) + α.p0.q0)] (VII) (VII) é a expressão do valor de um resgate parcial em que todos os termos, por hipótese, são conhecidos do investidor: o saldo do investimento (p2.Q2), o resgate (líquido de imposto) solicitado pelo investidor (p2.qII), a alíquota do imposto (α), o imposto periódico antecipado (p1.q1) e o valor inicial da aplicação (p0.q0). Uma vez determinado p2.q2, o fator k2 fica também conhecido e, em
conseqüência, R2 pode ser obtido de (VI). Conhecido R2, aplica-se a alíquota e 2

O imposto de renda pertence à categoria dos tributos calculados “por dentro”. Desse fato decorre o efeito de o imposto “antecipado” integrar a base de cálculo do imposto ”definitivo”. Esse efeito é mais simples de perceber, por exemplo, no caso dos rendimentos sujeitos à tabela progressiva, em que o imposto cobrado mensalmente é depois tratado como rendimento e tributado na declaração de ajuste anual. No caso dos fundos, por analogia, é como se cada resgate fosse um ajuste, sem exigência de declaração.

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determina-se o imposto devido ID2 e, por diferença, IP2, o imposto que o investidor pagou para receber um resgate de p2.qII. Pode-se passar, então, para a segunda cobrança periódica. A base de cálculo do
imposto em t3 será a diferença entre o saldo do investimento (p3.Q3) e o valor das Q3 quotas em t1 (= p1.Q3), data em que ocorreu a cobrança periódica anterior. Assim, R3 = p3.Q3 – p1.Q3 = Q3.(p3 – p1), sendo descontado imposto no valor de p3.q3.

Segue-se a determinação da base de cálculo de um segundo resgate, em t4, no valor de p4.q4. Por hipótese, sendo um resgate total, não é necessário proceder ao reajustamento da base.
Por analogia ao resgate em t2, sabe-se da expressão (VI) que o rendimento tributável é a diferença entre o valor resgatado e a fração residual do valor aplicado, acrescida dos valores descontados, considerados pelos seus saldos até então não compensados.

Para abordar essa hipótese no caso mais geral, vamos presumir, primeiramente, que o resgate represente uma fração k4 do saldo do investimento em t4, de onde decorre:
a) a parcela dedutível referente ao valor aplicado (p0.q0) já foi descontada no primeiro resgate na fração k2. Seu saldo, portanto, é (1 – k2). p0.q0.
No segundo resgate, na fração k4, a parcela a deduzir será k4.(1 – k2). p0.q0;
b) a parcela a somar referente à primeira cobrança semestral, da mesma forma, tendo um saldo de (1 – k2).p1.q1, dará origem à parcela k4.(1 – k2).p1.q1;
c) a parcela a somar referente à segunda cobrança semestral, ocorrida em t3, será igual a k4.p3.q3.
Em conseqüência, o valor do rendimento tributável será:
R4 = p4.q4 - k4.(1 – k2). p0.q0 + k4.(1 – k2).p1.q1 + k4.p3.q3 ou
R4 = p4.q4 – k4.[(1 – k2).(p0.q0 – p1.q1) - p3.q3] (VIII) (VIII) é expressão geral da base de cálculo do imposto em um segundo resgate, subseqüente a uma cobrança periódica, sendo esta precedida de outro resgate que, por sua vez, sucede à primeira cobrança do imposto.
Mas, por hipótese, o resgate em t4 será total, de modo que k4 = 1, de onde vem
RT4 = p4.q4 – (1 – k2).(p0.q0 – p1.q1) + p3.q3 (IX)
O imposto devido ID4 será igual ao produto da alíquota por R4, e o saldo do imposto a cobrar em t4 será expresso por IP4 = ID4 – k4.[(1 – k2).p1.q1 + p3.q3] No caso de um resgate total, k4 = 1, de onde IP4 = ID4 – (1 – k2).p1.q1 - p3.q3 (X)

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Considerações finais
O imposto de renda devido em resgates em fundos de renda fixa pode ser determinado a partir das expressões aqui desenvolvidas. Para tanto, será necessário e suficiente que o investidor retenha algumas informações da vida pregressa do investimento: o valor da aplicação inicial, os valores do imposto descontados semestralmente e as frações (kt) representativas dos resgates precedentes.

As expressões de cálculo do imposto, na forma em que estão apresentadas, referem se a uma única e determinada aplicação financeira. Investidores, porém, costumam fazer sucessivas aplicações, de diversos valores, em sucessivas datas.

É bastante comum, em conseqüência, que um resgate alcance diversas aplicações, que deverão ser individualmente consideradas. Nesse caso, poderá ocorrer o resgate total de mais de uma aplicação e também um resgate parcial, em valor suficiente para alcançar o quantum requerido pelo investidor.

Então, as fórmulas dos resgates total e parcial acima desenvolvidas deverão ser empregadas sucessivamente, tal como se cada aplicação fosseúnica.
Finalmente, a questão de escolher qual aplicação resgatar, dado o objetivo de minimizar o imposto do investidor.

A precedência para o resgate, nesse caso, deverá privilegiar, primeiramente, as aplicações que já alcançaram a alíquota mínima (15%, acima de 2 anos) e, em seguida, e assim sucessivamente, tendo em vista ser constante a taxa de redução da alíquota, a aplicação que se encontra no prazo mais distante do seu próximo degrau de descida.