Minha observação: Este assunto é conhecido por poucos, este material é para estudos.
O DIREITO AO CRÉDITO-PRÊMIO DO IPI
Marcelo de Lima Castro Diniz*
Maria de Fátima Ribeiro**
Sumário: 1. Introdução: Histórico legislativo do incentivo denominado crédito-prêmio do IPI. 2. A natureza jurídica do direito ao crédito-prêmio do IPI. 3. Inviabilidade de delegação de competência conferida privativamente ao Decreto-lei. Efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” veiculada pelo Decreto-lei 1.724/79. 4. O artigo 41 do ADCT. 5. A superveniência da Lei 8.402/92 e o crédito-prêmio do IPI. 6. As regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio do IPI. 7. O prazo para o ressarcimento dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI. 8. Formas de ressarcimento. 9. Demandas judiciais adequadas à obtenção do reconhecimento do direito ao crédito-prêmio do IPI. 10. Conclusões. 11. Referências Bibliográficas.
1. Introdução: Histórico legislativo do incentivo denominado crédito-prêmio do IPI.
Movido pelo propósito desenvolvimentista e premido por necessidades econômicas e sociais, o Governo Federal editou o Decreto-lei 491, de 5 de março de 1969, por meio do qual instituiu um incentivo às exportações de produtos manufaturados consubstanciado no direito ao aproveitamento de créditos incidentes sobre o montante das vendas destinadas à exportação, como meio de ressarcimento de tributos pagos internamente. Posteriormente, o Decreto-lei 1.248, de 29 de novembro de 1972, ampliou o incentivo para também abranger as operações pelas quais o produtor vende sua produção no mercado interno a empresa comercial exportadora, desde que com o fim de destiná-la ao exterior. Em suma, o produtor tinha assegurado o direito ao crédito-prêmio tanto quando realizava diretamente a exportação, como naquelas oportunidades em que vendia os produtos no mercado interno a empresa que os destinasse ao exterior.
Passados alguns anos, o Presidente da República expediu o Decreto-lei 1.658, de 24 de janeiro de 1979, estabelecendo a extinção gradual do incentivo, até sua eliminação total a partir de 30 de junho de 1983 (artigo 1º, § 2º). Pouco tempo depois, veio a lume o Decreto-lei 1.722, de 3 de dezembro 1979, prevendo a extinção gradual da subvenção até 30 de junho de 1983 (artigo 3°). Quatro dias depois, o Presidente da República baixou o Decreto-lei 1.724, de 7 de dezembro de 1979 (artigo 1º), revogando a regra que estabelecia a supressão, mas delegando competência ao Ministro da Fazenda para aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, como também extinguir o direito ao crédito nas referidas operações destinadas à exportação. E, de fato, como era de se esperar, provavelmente pressionado por contingências inerentes à arrecadação, o Ministro da Fazenda baixou a Portaria 960/79, que declarou extinto o direito ao crédito-prêmio a partir de 30 de junho de 1983.
Prosseguindo, o artigo 1º do Decreto-lei 1.894, de 16 de dezembro de 1981, restabeleceu o estímulo sem definição de prazo e o estendeu às empresas
* - Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professor da Faculdade Paranaense-FACCAR de Rolândia-PR e do IBET.
** - Doutora em Direito pela PUC-SP, professora e Coordenadora do Curso de Mestrado da UNIMAR e da Faculdade Paranaense – FACCAR em Rolândia-PR. 1
comerciais que realizassem operações de exportação, mediante a alteração da redação originária do artigo 3° do Decreto-lei 1.248/721. Mas novamente delegou-se competência ao Ministro da Fazenda para extinguir o direito ao crédito-prêmio (art. 3º do Decreto-lei 1.894/81). E é interessante destacar que o estímulo fora extinto por força de outra Portaria baixada pelo Ministro da Fazenda, mas que antecede o Decreto-lei 1.894/81. Trata-se da Portaria 78, de 1º de abril de 1981, que também previa a extinção de forma gradativa até 30 de junho de 1983, oportunidade em que cessaria por completo. E, finalmente, desta vez sob o pálio desse decreto-lei, as Portarias 252, de 29 de novembro de 1982 e 1762, de 12 de setembro de 1984, ambas do Ministro da Fazenda, extinguiram o direito ao crédito-prêmio com efeitos a partir de 1º de maio de 1985. Portanto, a conclusão a que se chega no que concerne à existência do direito ao crédito-prêmio do IPI, é que decretos expedidos pelo Ministro da Fazenda extinguiram-no. Resta saber se tais instrumentos são legítimos para o fim de disciplinar o assunto.
À vista disso, é pressuposto para que as demais questões pertinentes ao direito ao crédito-prêmio do IPI possam ser examinadas, que nos posicionemos a respeito da validade das normas que delegaram competência ao Ministro da Fazenda no que tange à prerrogativa de extingui-lo. Mas, antes ainda, é fundamental que seja delimitada a natureza jurídica desse incentivo, tarefa que iniciaremos agora.
2. A natureza jurídica do direito ao crédito-prêmio do IPI
Durante o julgamento do Recurso Extraordinário 186.359-5, que resultou na declaração da inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” constante do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, discutiu-se – embora essa não fosse a questão central – se o crédito-prêmio do IPI, no modo em que foi instituído pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69, possuía natureza jurídica de incentivo fiscal ou um crédito financeiro. A propósito, o Ministro Ilmar Galvão sustentou:
Trata-se, portanto, não propriamente de um incentivo fiscal, mas de um crédito-prêmio, de natureza financeira, conquanto destinado à compensação do IPI recolhido sobre as vendas internas ou de outros impostos federais, podendo, ainda, ser residualmente pago ao contribuinte em espécie, conforme previsto no art. 3º, § 2º, letra “b”, do mencionado Regulamento. (....) Pedi vista do processo exatamente para verificar a natureza desse benefício; para ver se se trata ou não de benefício fiscal. E parece que ficou claro, aqui no meu voto, que, na verdade não se trata de um benefício fiscal, não é uma redução ou isenção de imposto, é antes um mero prêmio à exportação. Então, não é o caso de incidência de norma do Código Tributário Nacional, embora o Decreto-lei 1.724 impropriamente tenha falado em crédito tributário.
Nessa linha, o então Procurador-Geral da Fazenda Nacional, Cid Heráclito de Queiroz3, sustentou que o incentivo em causa teria natureza de um crédito pertencente ao gênero fiscal e da espécie financeira:
1 Art. 3º do Decreto-lei 1.248/72, com a redação dada pelo artigo 2° do Decreto-lei 1.894/81, dispõe: “São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-Lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo à exportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora.
2 Destaca-se que a Portaria 176, de 12 de setembro de 1984, “extinguiu” o direito ao crédito-prêmio do IPI, quando tal fato já havia ocorrido por força da Portaria 252, de 29 de novembro de 1982.
3 Incentivos Fiscais – Crédito-Prêmio. In: Revista de Direito Tributário, v. 33, p. 93
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Nesse ponto nuclear, descaracteriza-se, substancialmente, o pretendido “ressarcimento”, porquanto o exportador poderá utilizar o crédito concedido pela Fazenda para pagar tributo que não haja onerado o produto exportado e, até mesmo, transforma-lo em espécie, ou seja, em prêmio financeiro, “stricto sensu”. Evidencia-se, pois, que o vocábulo crédito foi empregado na acepção de direito de compensar tributos federais, devidos ou de haver dinheiro em espécie. Portanto, os incentivos gerados à luz do Dec.-lei 491,de 5.3.69, são de natureza financeira. E, conseqüentemente, são inaplicáveis à espécie as disposições contidas no Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25.10.66).
De um modo geral, são utilizados indistintamente alguns signos, como subsídio, isenção, crédito presumido, manutenção de crédito, ressarcimento, redução de alíquota ou base de cálculo, alíquota zero, dilação de prazo, parcelamento, anistia, remissão etc., para se reportar aos gêneros benefício fiscal e incentivo fiscal. O que há de comum entre ambos é que são relativos à matéria tributária e atuam como instrumentos destinados a atenuar, reduzir ou eliminar os efeitos da tributação, de forma direta ou indireta. A diferença é que o benefício é estático, enquanto o incentivo é dinâmico. O benefício é concedido à vista de um fato consumado, visando amenizar uma situação gravosa ao contribuinte; nesse gênero, incluem-se a anistia, a remissão, o parcelamento.
O incentivo, em contrapartida, tem caráter dinâmico e programático, uma vez que objetiva obter resultados de índole extrafiscal ao longo do tempo, tais como a diminuição de desigualdades nacionais e regionais, o incentivo à economia, o fomento a determinados setores produtivos ou regiões etc. Fazem parte desse gênero, a isenção, as reduções de alíquota e base de cálculo, a alíquota zero etc.
A Constituição de 1988 outorgou competência para que os entes da federação promovessem estímulos de ordem tributária, desde que por meio de lei específica. Com efeito, o § 6º do artigo 150 prescreve:
Art. 150 - ....
....
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.
Percebe-se que o texto constitucional faz alusão indistintamente a vários institutos, como isenção, subvenção, remissão, para limitar a competência dos entes da federação no tocante à instituição de favores que se referem a impostos, taxas e contribuições. É intuitivo que a utilização do vocábulo “relativo” no texto e no contexto desse preceito constitucional revela que os citados favores, quando instituídos, devem se referir, direta ou indiretamente, a algum tributo. Mas será a forma, o modo de realização, que diferenciará um incentivo rigorosamente fiscal, visto que os instrumentos utilizados atingem o plano da regra-matriz de incidência tributária4 ou o montante devido em
4 A expressão regra-matriz de incidência tributária foi talhada por Paulo de Barros Carvalho a partir da análise da composição das normas jurídicas que instituem tributos. Assim, no antecedente tem-se a hipótese, que é composta pelos critérios material, temporal e espacial, e pelo conseqüente (que veicula os efeitos jurídicos decorrentes da ocorrência do fato) que traz os critérios pessoal (sujeitos ativo e passivo) e quantitativo, que se
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determinado período, de outros estímulos que, conquanto sejam “relativos” a tributos, não são governados pelo direito tributário.
Nota-se ademais que o texto transcrito reporta-se ao artigo 155, § 2º, inciso XI, letra g, o qual dispõe que cabe à lei complementar “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Veja-se que é feita alusão a incentivos e benefícios fiscais como categorias distintas, embora a isenção, que reputamos ser modalidade de incentivo, tenha sido mencionada à parte. Em se tratando do ICMS, o artigo 1º, parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar 24/75, recepcionado pelo referido dispositivo constitucional, prescreve que cabe ao convênio entre Estados e Distrito Federal disciplinar “incentivos ou favores fiscais ou financeiros-fiscais, concedidos com base no Imposto sobre Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus”. Chama-se a atenção para o emprego das locuções “favores ou incentivos fiscais” e “favores ou incentivos fiscais-financeiros”, denotando, a nosso ver, que os primeiros são concedidos por meio da regra-matriz de incidência tributária ou implicam diminuição do valor da prestação, ao passo que os demais não, embora possam ser aproveitados ou usufruídos por meio dos tributos.
Tércio Sampaio Ferraz Junior5, em oportuno estudo, interpreta essa regra à luz do texto constitucional de 1988:
Ter por base significa tomar o ICMS como referência. Esta referência pode ser expressa ou implícita. Não é, pois, necessário que um incentivo se configure a partir de valores expressos no recolhimento do ICMS devido pelo financiado, bastando, por exemplo, que um financiamento para investimento no Estado tome por indicativo, na delimitação dos valores financiáveis, o volume da receita do ICMS globalmente tomado. A mera correlação indicativa dos respectivos valores – do financiamento e do imposto devido – já seria uma forma pela qual se estaria tomando por base o imposto.
Por sua vez, a redução ou eliminação do respectivo ônus também não precisa ocorrer de forma direta, podendo ser inferida de exonerações indiretas, como a que ocorreria por meio de vantagens advindas de prazos suficientemente largos para caracterizar, num regime de inflação, o pagamento efetivo a menor do imposto devido.
Valendo-se dessa interpretação, observa-se que o Decreto-lei 491/69, ao instituir o crédito-prêmio, tomou por base o IPI e os demais tributos incidentes sobre a fabricação de produtos destinados à exportação (contribuições sociais sobre o faturamento e o lucro, imposto sobre a renda etc.), visando a redução - e até mesmo a eliminação, conforme o caso - do ônus tributário relativo a esses tributos.
Todavia, a realidade é que conquanto a referida modalidade de favor – o crédito-prêmio do IPI - esteja referida a tributo, atuando, direta ou indiretamente, no âmbito da carga tributária das empresas exportadoras, a realidade é que as respectivas
compõe da base de cálculo e da alíquota. (Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 239 e s.)
5 Guerra fiscal, fomento e incentivo na Constituição Federal. In: Direito Tributário – Estudos em homenagem a Brandão Machado. Luís Eduardo Schoueri e Fernando Aurélio Zilveti (coords.). São Paulo : Dialética, 1998, p. 279-80
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regras não atuaram na regra-matriz de incidência de nenhum tributo, nem tampouco implicam a redução do montante da prestação tributária. Não se imiscuíram no setor da hipótese, da sujeição passiva ou ativa, da base de cálculo ou da alíquota6. Se tivessem-no feito, estaríamos diante de um incentivo tipicamente fiscal. Mas como não o fizeram, forçosa é a conclusão de que se trata de incentivo de índole financeira, que embora referido à tributação, não se sujeita ao quadrante do regime jurídico tributário.
De fato, há institutos que se subsumem perfeitamente ao regime jurídico do direito tributário, como a isenção, a alíquota zero e a redução de base de cálculo, precisamente porque tocam, direta ou indiretamente, a regra-matriz de incidência ou o valor da prestação tributária. Mas há outros, como é o caso das subvenções, que conquanto possam ser concretizados por meio da tributação, configuram categorias jurídicas que pertencem ao domínio do direito financeiro, caracterizando-se, portanto, como espécie de incentivo financeiro. À luz dessas observações, não é porque um determinado estímulo é concretizado pela via do tributo que se trata de um incentivo fiscal no sentido estritamente jurídico. Na seara do direito, o incentivo fiscal é aquele que é concretizado por meio de institutos próprios do direito tributário.
Rigorosamente, o crédito-prêmio do IPI constitui uma forma de subvenção, que é definida pelo artigo 12, § 3º, da Lei 4.320, de 17 de março de 1964:
Art. 12.
§ 3º. Consideram-se subvenções, para os efeitos desta Lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
I - subvenções sociais, as quais se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural sem finalidade lucrativa;
II - subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.
Em estudo que versou sobre o tema “subvenção financeira, isenção e deduções tributárias”, Souto Maior Borges7 estabelece a distinção entre essas categorias:
Do mesmo modo , a meditação sobre o sistema tributário nacional autoriza ainda o discernimento entre incentivos puramente fiscais (tributário) e incentivos estritamente financeiros. Aqui, como em outros seguimentos do ordenamento jurídico, essa distinção decorre da relevante diversidade do regime jurídico contemplado para ambos os tipos de estímulos legais. Adicionam-se então aos generalizadamente denominados incentivos fiscais – qualificativo aqui utilizado estipulativamente para designar os incentivos que atuam por via tributária – os incentivos financeiros stricto sensu, tais como os subsídios, facilidades creditícias, prêmios de exportação. Assim rigorosamente, esses incentivos financeiros são inconfundíveis com os incentivos ditos fiscais. O motivo dessa diversidade conceitual é fornecido, ainda aqui, pelo regime jurídico distinto com que foram disciplinados no Direito Positivo brasileiro, como se verá em seguida.
Destaca ainda o autor:
6 Paulo de Barros Carvalho observa que a isenção implica a mutilação de um dos critérios da regra-matriz de incidência tributária, não permitindo a perfeita subsunção do conceito do fato ao conceito da norma e, assim, não fazendo irromper a respectiva relação jurídica tributária. (Curso de Direito Tributário, p. 480-7)
7 Subvenção financeira, isenção e deduções tributárias. In: Revista de Direito Público, vols. 41 e 42, p. 43.
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Importa desde logo advertir que, para a fixação do regime jurídico da subvenção financeira, não cabe o recurso a conceitos e categorias econômicas. Nada obstante, como acentuou Júlio Nievas Borrego, em exaustivo trabalho, o exame cuidadoso, tanto das elaborações doutrinárias como das disposições legislativas, conduz ao convencimento de que, na generalidade dos casos, foram as circunstâncias totalmente extrajurídicas que deram lugar às fórmulas definitórias da subvenção.
Com efeito, economicamente isenção e subvenção são tidas por alguns como categorias idênticas, porque produziriam os mesmos efeitos, juridicamente essa identidade não se verifica, porque há um critério de discriminação formal entre ambas, adotado e prestigiado pelo sistema. O Direito deforma o dado econômico, dando-lhe tratamento diverso, apreensível à luz de uma metodologia inconfundível com a da ciência econômica, ao transforma-lo numa realidade essencialmente diversa, porque normativa.
Essa equiparação entre subvenção e isenção, no plano econômico, decorreria do fato de que a isenção tem um custo equivalente ao de uma subvenção. Teoricamente, poder-se-ia substituir o sistema de isenções por um sistema de subvenções que teria a vantagem de oferecer o custo social decorrente desse último incentivo. É esta, a toda evidência, uma colocação extrajuridica na análise dessas categorias, que refoge assim ao plano jurídico de apreensão conceitual da subvenção financeira.
Esse ângulo entretanto, apenas aflorado neste trabalho, é inteiramente irrelevante para as preocupações do jurista. Ao Direito interessam apenas as realidades normativas, de índole formal, e não a substância econômica subjacente a essas realidades normativas e que, consoante exposto, ao receber a formulação da norma jurídica, deformaram necessariamente as categorias econômicas.
Por isso, afastadas quaisquer considerações de ordem econômica, uma definição puramente jurídica de subvenção é formulada por Júlio Nievas Borrego, como sendo uma “donación modal ob causam futuram, de Derecho Administrativo, por la cual el organismo público asume parte de la carga financeira de otro organismo de rango inferior o de um particular – que tenga juridicamente la consideración de terceros – con una finalidad de interes general, pero especifica y determinada”.
Segundo o autor, a subvenção é outorgada em princípio para o cumprimento de uma finalidade determinada, e não se for cumprida uma finalidade determinada.”
Qualquer que seja o valor que se atribua a essa definição do autor espanhol, é certo que a subvenção pressuporia juridicamente, se ocorresse na hipótese, a extinção da relação tributária e, pois, o retorno de receita pública ao ente subvencionado, pelo mecanismo da despesa pública. Essa circunstância, ao contrário, jamais se verifica nas hipóteses legais de isenção, que impedem o próprio surgimento da obrigação tributária.
Essa diferenciação é fundamental porque, só ela, basta para fornecer ao intérprete critério seguro de distinção entre isenção e subvenção, identificável no confronto entre essas duas categorias jurídicas.
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A subvenção é um ato translativo de domínio, que implica sempre um dare, enquanto a isenção não implica aquisição alguma, implicando, ao contrário, um non dare.8
O conceito de subvenção é assim formulado por Souto Maior Borges9:
O conceito de subvenção está sempre associado à idéia de auxílio, ajuda – como indica a sua origem etimológica (subventio) - expressa normalmente em termos pecuniários. Entretanto, se bem que a subvenção, em Direito Civil, constitua uma forma de doação, caracterizando-se, portanto, pelo seu caráter não compensatório, no Direito Público, particularmente no Direito Financeiro, embora também se revista de caráter não remuneratório e não compensatório, deve submeter-se ao regime jurídico público relevante. A subvenção pressupõe sempre o concurso de dinheiro ou outros bens estatais. É categoria de Direito Financeiro e não de Direito Tributário. Mostra-se nesses termos, inconfundível com a isenção como excelentemente demonstram Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello.
No mesmo sentido, é a posição de Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Mello10:
As subvenções, assim como as despesas, têm origem nos cofres públicos, dos quais só saem dinheiros autorizados por lei. Esses dinheiros, por sua vez, estão confundidos, neles não se distinguindo as procedências. Ingressados os dinheiros nos cofres públicos, não cabe discernir donde vieram. Encerra-se o capítulo ‘receita pública’. Inicia-se nova fase no iter dos dinheiros públicos, fase esta que se vai esgotar na despesa, regida por outros princípios e normas, sem qualquer conexão jurídica com as fases precedentes.
A Lei Complementar 101, de 5 de maio de 2000, prescreve explicitamente que os incentivos fiscais estão relacionados com a receita pública, ao contrário das subvenções que estão afetas à disciplina da despesa. O artigo 14 prescreve que “A concessão ou ampliação de incentivo ou beneficio de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita (...)”, denotando com isso que toda vez que a pessoa política competente conceder um incentivo ou benefício fiscal estará abrindo mão de um parcela de sua receita. E quanto a esse aspecto, é importante lembrar que a teor do artigo 9º da Lei 4.320/64: “Tributo é a receita derivada, instituída pelas entidades de Direito Público, compreendo os impostos, as taxas e contribuições, nos termos da Constituição e das vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades”. Logo, se o favor concedido pelo Estado não implicar renúncia de receita, mas sim despesa, estar-se-á diante de um estímulo financeiro, como é o caso da subvenção. Configura-se a despesa precisamente pelo fato de o Estado não abdicar de uma fatia dos seus recursos, mas transferir, pelas formas mais diversas,
8 - Ibidem.
9 Subvenção financeira, isenção e deduções tributárias, p. 43 e s.
10 Subvenções. Natureza jurídica. Não se confundem com isenções. Irretroatividade da lei. Direito adquirido. In: Revista de Direito Público, v. 20, p. 85 e s. 7
valores que já ingressaram no cofre público. É o ocorre com o crédito-prêmio do IPI, uma vez que o Estado não deixa de arrecadar importâncias devidas a título de tributo, mas sim transferir, por meio do ressarcimento, valores resultantes da aplicação de determinadas alíquotas sobre o montante do produto exportado.
Assim, o crédito-prêmio do IPI constitui espécie de estímulo financeiro, conquanto se refira ao IPI e a outros tributos federais, para reduzir o impacto tributário existente sobre a produção, visando estimular as exportações e prestigiar o princípio da não-cumulatividade e as imunidades concedidas aos negócios internacionais. Mas como não penetra, para modificar ou mutilar, o terreno da regra-matriz de incidência, nem tampouco implica diminuição do montante da prestação tributária, é impróprio atribuir-lhe a condição de espécie de incentivo fiscal.
3. Inviabilidade de delegação de competência em matéria conferida privativamente ao Decreto-lei. Efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” veiculada pelo Decreto-lei 1.724/79
Cumpre reiterar que os Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81 delegaram competência ao Ministro da Fazenda atribuindo-lhe o poder de extinguir o direito ao crédito-prêmio do IPI:
Art. 1º O Ministro de Estado da Fazenda fica autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969.” (DL 1.724/79)
“Art. 3º O Ministro da Fazenda fica autorizado, com referência aos incentivos fiscais à exportação, a:
I – estabelecer prazo, forma e condições, para sua fruição, bem como reduzi-los, majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial; (DL 1.894/81)
E, como pode ser observado, as Portarias 960/79, 252/82 e 176/84 efetivamente extinguiram o direito ao incentivo, com efeitos a partir de diferentes datas.
À época em que foram baixados os Decretos-lei em questão, estava em vigor a Constituição de 1967, com a Emenda de 1969, que albergava o princípio da legalidade, com a nuance de que também competia ao Presidente da República baixar decreto-lei visando a disciplina de certas matérias, dentre elas “finanças públicas, inclusive normas tributárias”, a teor do art. 55, inciso II. E neste caso a competência outorgada pela Constituição tem caráter verdadeiramente legislativo. Logo, ao baixar decreto-lei com o fito de disciplinar algum dos assuntos enunciados nos incisos do art. 55, dentre eles “finanças públicas, inclusive normas tributárias”, o Presidente da República estaria exercendo função tipicamente legislativa. Não se tratava, portanto, de “delegação legislativa”, mas sim de regra de competência outorgada pelo próprio texto constitucional.
A par disso, a Constituição 1967 continha dois enunciados que bem retratavam o papel do decreto-lei naquela época, como também os limites da delegação de atribuições aos Ministros de Estado. O artigo 6º, parágrafo único, dispunha: “Salvo as exceções previstas nesta constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a do outro.” E a Constituição de 1967, com as alterações posteriores, não previa a possibilidade de o
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Presidente da República delegar atribuições em matéria de finanças públicas ou direito tributário, precisamente porque o art. 55, inciso II, outorgava competência ao Presidente da República – não aos Ministros de Estado – para disciplinar esses temas.
Outro aspecto que merece ser abordado consiste na possibilidade conferida ao Presidente da República de delegar atribuições ao Ministros de Estado ex vi do artigo 81 da Constituição de 1967. No elenco das hipóteses previstas pelo texto constitucional não é possível, contudo, o enquadramento de qualquer matéria pertinente às finanças públicas ou normas tributárias. E isso é óbvio à vista do sistema constitucional do período, na medida em que a competência para se legislar sobre tais matérias foi deferida ao Presidente da República, a teor do art. 55, inciso II. Segue-se, pois, que é inadmissível a delegação de competência aos Ministros de Estado no que concerne à disciplina de regras de direito financeiro e direito tributário.
Resgatando a conclusão apresentada a respeito da natureza jurídica do direito ao crédito-prêmio do IPI, recorda-se que se trata de modalidade de incentivo financeiro e nessa condição submete-se ao regime jurídico do direito financeiro. O elo de ligação entre tal conclusão e a regra de competência veiculada pelo artigo 55, inciso II, da Constituição de 1967 é, ao mesmo tempo, nítido e fundamental. Aceita a assertiva de que o tema concernente a incentivo financeiro pertence ao direito financeiro – conforme concluíram Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Melo – e que por direito financeiro compreende-se o conjunto de normas que regem as finanças públicas – conforme lição de Geraldo Ataliba11 – , decorre que o Presidente da República, por meio de decreto-lei, jamais poderia ter delegado ao Ministro de Estado a atribuição para extinguir, via portaria, um direito subjetivo que fora concedido por diploma que lhe é superior hierarquicamente ou cujo campo normativo foi estabelecido em caráter privativo. E é o próprio Geraldo Ataliba12 que endossa essa conclusão ao delimitar o campo das finanças públicas:
Tecnicamente, finanças públicas é o nome consagrado de um conjunto de questões ligadas aos dinheiros públicos: sua aquisição, gestão, guarda, administração e dispêndio. Não é, certamente, tão genérica formulação que se há de adequar a este dispositivo constitucional. Mesmo porque estas questões todas admitem múltiplo tratamento: econômico, político, financeiro jurídico, etc. Como, no caso em exame, o de que se cuida da competência de um órgão (o Presidente da República) para produzir normas, a referência implícita é a norma sobre finanças públicas, vale dizer: direito financeiro.
O Tribunal Federal de Recursos teve a oportunidade de reconhecer a inconstitucionalidade dessas delegações de competência, quando seus integrantes julgaram, por maioria de votos, a Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível 109.896-DF, relatada pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. O Supremo Tribunal Federal, à sua vez, declarou, também por maioria de votos, a inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” constante do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79:
Decisão: Colhido o voto do Senhor Ministro Moreira Alves, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu e desproveu o recurso extraordinário,
11 “O conjunto de normas sobre matéria (finanças públicas) é conhecido por direito financeiro”. (O decreto-lei na constituição de 1967. São Paulo : Revista dos Tribunais, p. 65)
12 O decreto-lei na constituição de 1967, p. 64
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declarando a inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir”, constante do artigo 1º do Decreto-lei nº 1.724, de 07 de dezembro de 1979, vencidos os Senhores Ministros Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ilmar Galvão e Octávio Gallotti.(...)13
Por questões processuais, a decisão do STF não abrangeu a delegação de competência conferida pelo art. 3º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81. Mas os mesmos motivos que conduziram à declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79 justificam o reconhecimento de que essa nova delegação de competência também fere a Constituição de 1967.
Assim, são absolutamente ineficazes as Portarias Ministeriais que “extinguiram” o subsídio. Questiona-se neste passo se houve o restabelecimento do direito ao crédito-prêmio. Enfim, quais os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade?
Em um sistema como o nosso, em que prevalece o princípio da supremacia constitucional, a inconstitucionalidade constitui o vício mais grave. A afirmação de que a inconstitucionalidade constitui um defeito do ato legislativo exige uma tomada de postura, ainda que perfunctória, a respeito dos planos da existência e da validade das normas jurídicas. A esse respeito, Kelsen14 parte do pressuposto de que a validade é característica essencial da norma jurídica, daí porque não haveria distinção entre os planos da validade e da existência. Se a norma é inválida, não se pode predicar sua existência; assim, a invalidade significa a inexistência da norma. E a validade é aferida mediante a análise da relação de pertinência da norma com um dado sistema15.
Pontes de Miranda16, de outro turno, entende que a validade ou invalidade da uma norma jurídica pressupõe sua existência. Nessa perspectiva, a validade não seria da essência da norma jurídica, mas sim uma qualidade que a ela se agregaria. Nas suas próprias palavras: (...) para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente depois de afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale.
Parece-nos que realmente são distintos os planos da existência e da validade das normas jurídicas. A existência depende da observância do procedimento exigido para a introdução da regra no sistema, enquanto a validade ou invalidade deve ser vista posteriormente a esse fato. Introduzida uma norma segundo o que estabelece o sistema no que concerne ao procedimento está afirmada sua existência. A validade, todavia, será avaliada depois, mediante o confronto com o sistema de referência escolhido. Se houver relação de pertinência formal e material da norma com determinado sistema ou um dado contexto normativo, estará presente o atributo da validade17. Essa maneira de vislumbrar a
13 RE 186.359-5-RS – Relator Ministro Marco Aurélio – DJU 10.05.2002, p. 00053.
14 Teoria pura do direito. 6ª ed. João Baptista Machado (trad.). São Paulo : Martins Fontes, 1998, p.1, 2 e 6.
15 Paulo de Barros Carvalho comunga dessa mesma opinião quando afirma: “É intuitivo crer que a validade se confunde com a existência, de sorte que afirmar que u’a norma existe implica reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico. Do que se pode inferir: ou a norma existe, está no sistema e é, portanto, válida, ou não existe como norma jurídica.” (Curso de direito tributário, p.80)
16 Tratado de direito privado. Atualizada por Vilson Rodrigues Alves. Campinas : Bookseller, 2000, t. IV, p. 39
17 Esse entendimento é manifestado por Paulo Roberto Lyrio Pimenta (Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário. São Paulo : Dialética, 2002, p. 18-24) e Marco Aurélio Greco e
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matéria é compatível com os princípios da presunção de constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos. Assim, tem-se, sem a aceitação desses primados estaria comprometida a funcionalidade do sistema e a própria dinâmica do direito positivo. Portanto, a validade constitui uma qualidade da norma jurídica e não uma característica essencial.
Retomando o tema proposto nesta seção, importa analisar os efeitos da pronúncia pelo STF da inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” que faz parte do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, o qual permitia ao Ministro de Estado extinguir o crédito-prêmio do IPI. Como vimos, a pronúncia de inconstitucionalidade não ocorreu por meio do controle concentrado, isto é, o STF não se manifestou em sede de ação direta de constitucionalidade (ADC) ou ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). O reconhecimento da eiva verificou-se no bojo de processo em que figuravam como partes determinado particular que invocava o direito ao incentivo e a União Federal. Logo, os efeitos dessa decisão circunscrevem-se, sob a perspectiva subjetiva, às partes da referida relação jurídica processual, e sob o prisma objetivo não implica a supressão das normas inconstitucionais do ordenamento, mas apenas o reconhecimento do direito subjetivo ao crédito-prêmio. Quando muito, poder-se-ia dizer que após a decisão do STF não mais prevalece (ou sofreu profundo abalo) a presunção de constitucionalidade que protegia os citados decretos-lei, provocando também forte influência em juízes e tribunais, seja na concessão de medidas liminares, seja no que respeita à apreciação do mérito.
É fato que a decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado preceito produz efeitos “ex tunc, na medida em que defeito desse jaez constitui vício congênito que o contamina desde sua origem até que norma ulterior o pronuncie. Dessa ilação decorre que o preceito revogado pela regra inconstitucional retoma os atributos da existência, validade e eficácia, até que outra norma os infirme, conforme lição de Paulo Roberto Lyrio Pimenta18:
A pronúncia de inconstitucionalidade importa na declaração da invalidade da norma jurídica (inconstitucional). Considerando que esta é invalida desde a sua origem, não tem aptidão para modificar a ordem jurídica, não podendo revogar a norma antecedente que versava sobre idêntica matéria. Disso decorre que a decisão de inconstitucionalidade implica na repristinação da norma revogada, não se aplicando a essa situação a regra do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil.
No que tange aos efeitos da pronúncia de invalidade, a Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, em seu artigo 27, dispõe que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que a venha a ser fixado. Todavia, essa novel regra não é aplicável ao tema, seja porque a pronúncia ocorreu em sede de controle difuso, seja porque de fato o STF não restringiu os efeitos de sua decisão.
Em se tratando de situação em que a pronúncia de inconstitucionalidade deriva de vício material, as demais regras ou partes do ato normativo não atingidas pelos efeitos da decisão judicial permanecem integras e eficazes. Já quando se
Helenilson Cunha Pontes (Inconstitucionalidade da lei tributária- repetição do indébito. São Paulo : Dialética, 2002, p. 15-18)
18 Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributário, p. 105-6
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trata de vício formal o ato legislativo como um todo carrega consigo a pecha da inconstitucionalidade. Então, o defeito de parte (uma regra inteira ou um trecho dela) do texto legislativo não implica a extensão dos efeitos da pronúncia para o restante.19 Estão preservados, assim, os demais preceitos constantes do Decreto-lei 1.724/79, com ênfase para a regra que manteve o incentivo (artigo 3°, inciso I). Não bastasse isso, o artigo 1º do Decreto-lei 1.894/81 “restabeleceu” o estímulo sem definição de prazo. A esse respeito, o STJ tem jurisprudência pacífica:
Processual Civil Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Crédito-prêmio. IPI. Momento. Extinção. Matéria pacífica.
Inviável o recurso especial que visa discutir matéria já pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1724/79, também restaram inaplicáveis os Decretos nºs 1.722/79 e 1.658/79, os quais eram referidos pelo primeiro diploma. Dessa forma, é aplicável o Decreto-Lei 491/69, expressamente mencionado no Decreto-lei 1.894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo. Precedentes. Agravo regimental improvido.20
Depreende-se, pois, que conquanto o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade da delegação de competência ao Ministro de Estado no que se refere à possibilidade de extinguir o direito ao crédito-prêmio, o que significa dizer que é inválida e ineficaz a Portaria 960/79 que promoveu a supressão do incentivo, a realidade é que a norma em tela continua existindo e gerando efeitos, a despeito do abalo da presunção de sua validade. Segue-se que enquanto não advier norma estendendo os efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso, aquele que desejar o reconhecimento do direito à subvenção deve procurar a tutela do Poder Judiciário.
Editada norma a respeito da matéria dotada de eficácia “erga omnes”, aí sim se poderá dizer que a declaração do vício aproveitará a todos. Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes21 assinalam que no âmbito federal podem ser utilizados os seguintes veículos normativos visando atribuir eficácia geral às decisões proferidas pelo STF em sítio de controle difuso:
a) uma Resolução do Senado suspendendo a execução da lei, nos termos do inciso X do artigo 52 da CF/88; ou
19 A tal respeito, Regina Maria Macedo Nery Ferrari, com base na doutrina de Canotilho, afirma: “Já a inconstitucionalidade material advém de vícios que dizem respeito ao conteúdo do ato normativo, de não concordância entre os princípios constantes do ato e os princípios constitucionais. Conclui o autor que no caso da inconstitucionalidade material “viciadas são as disposições ou normas singularmente consideradas. Assim, pode-se considerar que, quando existente um vício formal, o ato, como uma unidade, fica afetado em sua integralidade. Já quando estamos frente a um vício material, encontramos a possibilidade de continuarem válidas as disposições que, constantes do mesmo ato normativo, não foram afetadas pelas irregularidades apontadas. Então, se eliminada a parte considerada inconstitucional, a outra parte, que compõe o mesmo ato e que assim não for considerada, quando possuir sentido tal que possa ser executada conforme a intenção do legislador e realizar o objetivo proposto pela norma, deve ser mantida. Se, porém, a lei possuía um sentido único e se algumas de suas regras são consideradas como inconstitucionais, então toda ela deverá ser considerada como inválida e carecedora de produção de efeitos”.(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 4ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 59)
20 AgRg no Agravo de Instrumento nº 398.267-DF - Relator Ministro Francisco Falcão - DJU 1 de 21.10.2002, p.283.
21 Inconstitucionalidade da lei tributária – repetição do indébito, p. 72
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b) um ato de caráter geral que reconheça a inconstitucionalidade e estenda, a todos os contribuintes que se encontram na mesma situação que a declarou. É o caso de Decreto do Presidente da República, de Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e de Súmula da Advocacia Geral da União.22
Como nenhum desses instrumentos foi utilizado até o momento, deve-se considerar que o Decreto-lei 1.724/79 e a Portaria que suprimiu o direito ao crédito-prêmio existem e estão produzindo os efeitos que lhe são ínsitos. Aquele que desejar usufruir do incentivo deverá buscar a tutela jurisdicional ou requerer junto à Administração Pública e aguardar eventual decisão denegatória, para então promover a demanda judicial adequada. Por motivos óbvios, o mesmo deverá ser feito no que tange à delegação de competência promovida pelo artigo 3º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81, uma vez que o STF sequer se manifestou a seu respeito.
Os meios procedimentais e processuais disponíveis ao particular, como também os prazos decadenciais e prescricionais serão abordados oportunamente.
4. O artigo 41 do ADCT
Antes do estudo das regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio de IPI, é necessária a análise do artigo 41 do ADCT, na medida em que há entendimentos23 de que esse preceito teria extinto os incentivos fiscais de ordem setorial (dentre eles o crédito-prêmio do IPI) que não tivessem sido confirmados por lei:
Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.
22 Registra-se que esses veículos podem ser utilizados com o fito de estender os efeitos da pronuncia da inconstitucionalidade, com fundamento nos artigos 18 e 19 da Medida Provisória 2.176-79, artigo 77 da Lei 9.430/96, artigos 1° a 4° da Lei 9.469/97 e Decreto 2.346/97.
23 Nesse sentido, tem-se os seguintes julgados: “TRIBUTÁRIO – IPI – CRÉDITO-PRÊMIO – DECRETO-LEI 1.724/79 – INCONSTITUCIONALIDADE – DECRETO-LEI NºS – 1.658/79 E 1.722/79 – EXTINÇÃO – INAPLICABILIDADE – DECRETO-LEI Nº 1.894/81 – PORTARIA Nº 176/84, DO MINISTRO DA FAZENDA – ILEGALIDADE – 1. O art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724/79 foi declarado inconstitucional pelo Plenário do extinto Tribunal Federal de Recursos (Argüição de inconstitucionalidade na Apelação Cível nº 109.896/DF). 2. O Decreto-Lei nº 1.894/81, ao disciplinar de forma diversa a matéria, mencionando expressamente o Decreto-Lei nº 491/69, restaurou o crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo, o que resultou na inaplicabilidade dos Decretos-Lei nºs. 1.658/79 e 1.722/79. 3. A Portaria nº 176/84, do Ministro da Fazenda, por ser hierarquicamente inferior, contrariou o Decreto-Lei nº 491/69. 4. O crédito-prêmio do IPI somente veio a ser definitivamente extinto em 05 de outubro de 1990, por força do disposto no art. 41, § 1º, do ADCT.” (TRF 1ª R. – EIAC 199901000752167 – DF – 2ª S. – Rel. Juiz Mário César Ribeiro – DJU 05.11.2001 – p. 442) e “TRIBUTÁRIO – IPI – CRÉDITO-PRÊMIO – DECLARAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE – REDUÇÃO POR PORTARIAS MINISTERIAIS – EXTINÇÃO – VÁLIDOS DECRETOS-LEIS ANTERIORES – A questão da inconstitucionalidade da autorização dada pelos Decretos-leis nºs 1.724/79 e 1.894/81 ao Ministro da Fazenda para aumentar, reduzir, ou extinguir o crédito-prêmio é pacífica na jurisprudência, tendo, inclusive, sido objeto de argüição de inconstitucionalidade perante o Pleno deste Tribunal (AgInc 90.04.11176-0/PR). No entanto, da análise da evolução legislativa quanto ao crédito-prêmio, bem como dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, verifica-se que a extinção do benefício não se deu em 05.10.1990, por força do art. 41 do ADCT. Invalidados os Decretos-leis nºs 1.724/79 e 1.894/81, quanto à gradual redução do crédito-prêmio, restaram válidos os anteriores, Decreto-lei nº 1.724/79 e Decreto-lei nº 1.894/81, determinando sua extinção em 30 de junho de 1983.” (TRF 4ª R. – AC 97.04.30299-1 – SC – 1ª T. – Relª Juíza Vânia Hack de Almeida – DJU 22.11.2000 – p. 129)
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§ 1º. Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.
§ 2º. A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.
§ 3º. Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do artigo 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo.
Impõe-se ressaltar, de início, que regra veiculada por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórios, a despeito de não serem vocacionadas a permanecer por tempo indeterminado, tem a mesma autoridade e eficácia de norma contida no texto constitucional permanente24. Trata-se, portanto, de preceito constitucional.
A questão prejudicial às demais que se põe é a seguinte: o artigo 41 do ADCT referiu-se aos incentivos fiscais estrito senso, quer dizer, àqueles que implicam mudanças ou mutilações na regra-matriz de incidência tributária ou mesmo a redução da prestação tributária, ou se referiu a algo mais abrangente, abarcando também os estímulos financeiros. A rigor, o conceito jurídico de incentivo fiscal encontra-se positivado, ainda que sua edificação exija um esforço de sistematização. E tal obra foi realizada pela inteligência de Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Melo. De fato, os estímulos financeiros não se incluem no conceito de incentivo fiscal, na medida em que as categorias com as quais as subvenções laboram não pertencem ao direito tributário. E o crédito-prêmio do IPI não foge a essa regra, visto que constitui uma subvenção, e a subvenção é um instituto de direito financeiro25.
Outra demonstração de que o artigo 41 do ADCT não se aplica ao crédito-prêmio do IPI – dado que se trata de subvenção – está em que a Constituição de 1988 utilizou a locução “incentivo fiscal” justamente no âmbito do sistema tributário nacional, para limitar a competência da União. Deveras, o artigo 151, inciso I, da Constituição Federal, ao proclamar o princípio da uniformidade geográfica, permite “a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”.
Conclui-se, portanto, é a de que como o crédito-prêmio do IPI constitui uma subvenção, não se lhe aplica o artigo 41 do ADCT. Logo, está em pleno vigor
24 CHIESA, Clélio. A competência tributária no estado brasileiro. São Paulo : Max Limonad, 2002, p. 284
25 Nessa mesma linha de idéias, Eduardo Marcial Ferreira Jardim oferece seu conceito de incentivo fiscal:“INCENTIVO FISCAL. Figura situada no âmbito da extrafiscalidade, consiste na redução do quantum debeatur de natureza tributária, ou mesmo na eliminação da exigibilidade. Sua instituição, quando legítima, representa instrumento de ação econômica e social objetivando à consecução do bem comum. Na área do comércio exterior, por exemplo, a nossa legislação abriga uma série de isenções de IPI, ICMS, IR e imposto sobre a exportação, tudo com a finalidade de possibilitar o ingresso de mercadorias nacionais no mercado internacional, enfrentando, inclusive, a competitividade de preços. No plano do imposto sobre a renda, por sua vez, a legislação estabelece inúmeros incentivos consubstanciados na dedução do imposto devido em relação à parcela objeto de destinação a projetos de desenvolvimento geral, a teor da SUDAM, SUDEPE, EMBRATUR e tantos outros. Outro expressivo exemplo é a Zona Franca de Manaus, onde os estabelecimentos industriais e comerciais desfrutam de incontáveis isenções, justificáveis, por todos os títulos, porquanto foi a fórmula mais adequada, cremos, que o legislador encontrou para instalar um parque industrial naquela região de induvidoso potencial, mas sobremodo distante dos pólos industrialmente desenvolvidos da Região Sudeste.” (Dicionário Jurídico Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 83)
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a legislação que instituiu o estímulo em referência. Mas mesmo que admitíssemos o contrário, isto é, de que se está diante de um instrumento de incentivo fiscal, parece-nos que a regra em exame não é aplicável, uma vez que o crédito-prêmio não tem natureza “setorial”. Veja-se os motivos.
Sob a perspectiva da competência, pode-se dizer que os incentivos fiscais podem ser concedidos por todas as pessoas políticas, observadas as faixas de atribuições fixadas no texto constitucional. Na espécie, observa-se que o artigo 41 do ADCT reporta-se a todas as pessoas políticas, permitindo-se uma primeira conclusão de que os incentivos de índole setorial não constituem um privilégio da União com vistas a resguardar o interesse nacional.
É evidente que se todas as pessoas políticas podem conceder incentivos fiscais de natureza setorial, não se incluem nesse conceito estímulos voltados a todo o país ou de interesse de toda a nação, como também estímulos direcionados especificamente a determinadas regiões do país. A noção de “incentivo fiscal de natureza setorial” está ligada à possibilidade de todos os entes da federação promoverem programas destinados a obter efeitos extrafiscais por meio da tributação. Não se trata, portanto, de privilégio da União capaz de provocar impacto nacional e mesmo internacional. Ao contrário, a regra transitória está se reportando àqueles incentivos destinados a determinados setores da economia (pesca, agricultura etc.).
Outrossim, por “incentivo fiscal de natureza setorial” também não se entende aquele estímulo concedido a determinadas regiões do país; neste caso, trata-se de “incentivo fiscal de natureza regional”. Diferenciam-se, assim, região e setor no que concerne à disciplina jurídica dos incentivos fiscais. O incentivo fiscal setorial é aquele concedido em prol de determinado ramo de atividade, privilegiando certo campo da economia em caráter particular. Já o incentivo fiscal regional tem por desígnio proteger ou estimular determinada parte do país; neste caso, o propósito é estimular certa região com vistas a estender a todo o território nacional condições de progresso, e com isso cumprir os objetivos da República de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e regionais, conforme estatui o artigo 3º, incisos II e II, da Constituição. Neste momento, é importante lembrar que a Constituição Federal, ao consagrar o princípio da uniformidade geográfica, permite “a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”.
A despeito da escassez da doutrina a respeito do tema, tomamos conhecimento, dentre outros, de importante estudo realizado por Ana Maria Ferraz Augusto26 por meio do qual é proposta a classificação dos incentivos fiscais quanto à finalidade:
Os incentivos, quer sejam dirigidos a determinados objetos, quer beneficiem certas pessoas, são dotadas de uma finalidade, que pode estar explícita ou implícita no texto legal. Quando o fim do estímulo é desenvolver a economia nacional, integralmente – o que constitui a meta dos países em desenvolvimento – teremos os incentivos globais.
Devem produzir, logicamente, se não há falha no planejamento, um desenvolvimento harmônico da economia nacional.
Em contraposição, alguns incentivos têm objetivos voltados para atividades específicas. Considerando as atividades econômicas,
26 Incentivos: instrumentos jurídicos do desenvolvimento. In: Revista de Direito Público, vols. 47 e 48, p. 279-80
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encontramos estímulos fiscais que evidenciam o propósito de desenvolver um setor da economia. Daí a classe dos incentivos à produção, à circulação ou ao consumo.
Dessa forma, em um esforço classificatório, pode-se dizer que há três espécies de incentivos fiscais tendo-se em vista a finalidade:
a) incentivo fiscal global ou geral, que se caracteriza pelo objetivo de abarcar os interesses de toda a nação, uma variada gama de setores e regiões do país;
b) incentivo fiscal regional, por meio do qual o escopo é estimular a economia em determinada região do país, como ocorre com a Zona Franca de Manaus; e
c) incentivo fiscal setorial, cuja área de atuação circunscreve-se a determinado seguimento da economia, como é o caso do turismo, que foi estimulado por meio do Decreto-lei 55, de 18 de novembro de 1966, artigo 24.
Os incentivos fiscais setoriais contrapõe-se àqueles com escopos gerais justamente pelo fato de abrangerem atividades específicas, selecionadas à vista do objetivo almejado pelo Estado, como é o caso do turismo, da agricultura, do cinema etc27. Nos incentivos gerais, o importante não é a seara da economia agraciada com o estímulo, mas sim a tutela de interesses, que se revela de caráter global e irrestrito. Com a implementação de estímulos fiscais de caráter geral, busca-se o desenvolvimento de forma generalizada, ampla e completa.
Reconhece-se que não é fácil distinguir as esferas setorial, regional e geral no que concerne aos incentivos fiscais, máxime porque estamos diante de conceitos indeterminados. A rigor, não se tratam de conceitos indeterminados, visto que a indeterminação reside nos termos que os exprimem. Eros Roberto Grau28 sustenta que um conceito pressupõe sempre determinação no que tange à sua significação. Os termos que expressam os conceitos é que podem, sim, denotar indeterminação, ambigüidade, vagueza etc.
A fixação dos conceitos e dos respectivos termos exige a delimitação do sistema adotado como referência. Se for adotado o sistema constitucional como referência para a compreensão dos conceitos de incentivo fiscal de natureza “geral”, “setorial” e “regional”, parece-nos possível precisar o sentido e o alcance de cada um desses termos. O termo que mais suscita dúvidas é justamente “setorial”.
Pode-se verificar que o crédito prêmio do IPI não se insere na classe “setorial”, seja porque é aberto a todos os exportadores e todas operações de exportação, seja porque tem caráter nacional, com efeitos inclusive no mercado internacional. Procurar-se-ão justificar os motivos que conduzem a essa conclusão.
Voltando-se os olhos e a atenção para a legislação que disciplina o incentivo em tela, verifica-se que o propósito foi incentivar as exportações. Na tarefa de
27 É o que afirma Ana Maria Ferraz Augusto: “Seja para dar impulso a empreendimentos privados em atividades selecionadas (exemplo: isenção total de todos os tributos federais, exceto da previdência social, para construções e aplicações em hotéis, dentro dos limites estabelecidos no art. 24 do Decreto-Lei n. 55, de 18.11.1966, para os projetos aprovados pelo Conselho Nacional de Turismo)” (Incentivos: instrumentos jurídicos do desenvolvimento, p. 46)
28 Conceitos indeterminados. In: Justiça Tributária – 1º Congresso Internacional de Direito Tributário – IBET. São Paulo : Max Limonad, 1998, p. 122
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identificar o alcance da norma que concede um estímulo fiscal ou financeiro, é fundamental a pesquisa do seu escopo.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino29, em estudo sobre os incentivos fiscais concedidos para empresas que se estabelecessem na Zona Franca de Manaus, expõem com clareza o norte exegético que deve guiar o intérprete quando se tem em vista normas dessa natureza:
“(...)a clara e exata compreensão da occasio e da mens legis deixa evidente que o espírito informador dessa legislação pode ser traduzido no propósito que impregnou toda nação de tudo fazer pelo desenvolvimento da Amazônia. Daí, a conseqüência inexorável, no plano da interpretação da legislação instrumentadora desses desígnios: a exegese de cada regra, cada norma, cada preceito há de ser feita de modo a bem servir tal objetivo geral, que se preenche pela satisfação de mil e um objetivos setoriais e parciais, desses instrumentais. É com esse espírito que deve ser e vem sendo aplicada tal legislação, assim administrativa como judicialmente. E é com a mais viva preocupação em prestigiar essas diretrizes que se devem enfrentar os problemas hermenêuticos...”
E nessa matéria – incentivo à exportação – a Constituição traz uma série de regras vocacionadas a estimular negócios internacionais. Recentemente, a Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001, instituiu uma nova imunidade tributária no que respeita às receitas decorrentes de exportação. Assim, não poderão ser instituídas contribuições sobre tais receitas. Mesmo na exportação de serviços o texto constitucional outorgou à lei complementar competência para “excluir de sua incidência exportações de serviços para o exterior”, a teor do artigo 156, inciso II, § 3º, inciso II.
Também no que tange ao IPI e ao ICMS, a Constituição de 1988 concedeu imunidade a essas operações, desde que destinadas ao exterior. O próprio princípio da não-cumulatividade dá suporte para que a União institua incentivos relativos ao IPI, mormente quando os produtos sejam destinados ao exterior em face da imunidade das respectivas operações. Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado Derzi30 afirmam, com inteira propriedade, que por decorrência do princípio da não-cumulatividade do IPI e da imunidade das operações de exportação, devem ser instituídos instrumentos (como é o caso do crédito-prêmio do IPI) destinados a minimizar ou mesmo eliminar a cumulatividade existente em outros tributos, como é o caso da COFINS e da Contribuição ao PIS, ambas incidentes sobre o faturamento (receita bruta): Não constitui favor algum o crédito-prêmio do IPI, que procura eliminar a cumulatividade da Cofins e do PIS – e do próprio IPI, que neles persiste – dos preços de exportação. É mesmo imperativo Constitucional. Afinal, a Constituição Federal, a par de consagrar a não-cumulatividade do imposto, determina a imunidade dos produtos industrializados, destinados ao exterior.
De fato, o crédito-prêmio prestigia todo um acervo de regras constitucionais, que visam incentivar negócios internacionais e mitigar ou eliminar os tributos cumulativos por meio de incentivos fiscais ou financeiros. Nesse sentido, a Lei
29 Isenção para vendas para a ZFM – Finsocial e Imposto sobre Transporte. In: Revista de Direito Tributário, v. 41, p. 207
30 Crédito prêmio de IPI: existência jurídica e utilização. In: Revista Dialética de Direito Tributário, v. 87, p. 118
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9.363/96 veio a instituir novo incentivo financeiro às exportações, assegurando o direito de crédito, como ressarcimento das prestações devidas a título da COFINS e da contribuição ao PIS, sobre as aquisições no mercado interno, de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, utilizados no processo produtivo.
Assim posta a questão, sobressai o caráter geral do incentivo consubstanciado no direito ao crédito-prêmio do IPI. Não se trata de estímulo voltado a determinada atividade (visto que abrange as exportações de todos e quaisquer bens, por todas e quaisquer empresas, inclusive as comerciais exportadoras), nem tampouco tem caráter regional, visto que é justamente o fato de um bem ser destinado ao exterior que justifica a obtenção do crédito. Dessa forma, é notória a abrangência nacional do estímulo. Não é à toa que a competência para tributar operações de importação e exportação tenha sido atribuída à União, como também que o Presidente da República possa alterar as alíquotas desses tributos por meio de decreto e sem submissão ao princípio da anterioridade.
Outra mostra de que incentivo setorial não se confunde com incentivo de caráter geral radica na regra veiculada pelo artigo 3º do Decreto-lei 1.894, de 16 de dezembro de 1981, que dispõe: Art. 3º O Ministro da Fazenda fica autorizado, com referência aos incentivos fiscais à exportação, a: I – estabelecer prazo, forma e condições, para sua fruição, bem como reduzi-los, majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial. Assim, distinguiu-se claramente incentivo fiscal geral de incentivo fiscal setorial. Aquele voltado a toda a nação, a todos os interesses, a todos os produtos e assim por diante; esse particularizado, setorizado, especificamente destinado a esse ou àquele seguimento econômico. Com isso, o Decreto-lei admitiu que o direito ao crédito-prêmio do IPI, nos moldes do Decreto-lei 491/69, consiste num incentivo geral, precisamente porque foi permitida sua modificação em caráter geral ou setorial, ou seja, poderiam ser promovidas mudanças na subvenção com abrangência nacional ou limitada a determinado setor da economia, como por exemplo o açúcar, a agricultura etc.
Conclui-se que o artigo 41 do ADCT não é aplicável aos estímulos fiscais de caráter geral. Logo, como o crédito-prêmio foi introduzido com o propósito de estimular exportações de modo geral e amplo – visto que não limita os produtos e mercadorias, como também tem por sujeito ativo tanto o industrial, como empresas comerciais exportadoras – o referido preceito não afeta a existência e a eficácia da legislação que o instituiu.
5. A superveniência da Lei 8.402/92 e o crédito-prêmio do IPI
O artigo 1º da Lei 8.402, de 8 de janeiro de 1992, “restabeleceu” os incentivos previstos pelo artigo 5º do Decreto-lei 491/69 e pelo artigo 1º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81:
Art. 1º. São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais:
I - incentivos à exportação decorrentes dos regimes aduaneiros especiais de que trata o artigo 78, incisos I a III, do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966;
II - manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata o artigo 5º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969;
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III - crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados incidentes sobre bens de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno e exportados de que trata o artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981;
Esse dispositivo restabeleceu vários incentivos, dentre os quais se destaca: a) o direito à manutenção e à utilização do crédito de IPI relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos destinados ao exterior; e b) o mesmo direito foi assegurado às empresas que adquirem bens no mercado interno e os destinam ao exterior (empresas comerciais exportadoras), que tem garantido o direito ao crédito de IPI relativo aos produtos adquiridos e exportados.
No tocante ao crédito-prêmio do IPI instituído pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69, matriz do incentivo, o § 1º do artigo 1º da Lei 8.402/92 dispôs:
“§ 1º É igualmente restabelecida a garantia de concessão dos incentivos fiscais à exportação de que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.248, 29 de novembro de 1972, ao produtor-vendedor que efetue vendas de mercadorias a empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, na forma prevista pelo artigo 1º do mesmo diploma legal.”
À sua vez, os artigos 3º e 1º, do Decreto-lei 1.248, de 29 de novembro de 1972, dispõem, respectivamente:
“Art. 3º São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-Lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo à exportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora.”
“Art. 1º As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno, quando realizadas por empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-Lei.
Parágrafo único. Consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para:
a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora;
b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento.”
De fato, pode-se dizer que a Lei 8.402/92 “restabeleceu” o direito ao crédito-prêmio do IPI tanto para as empresas produtoras-exportadoras, quanto para as comerciais-exportadoras. Isso se torna perceptível pela remissão ao artigo 3° do Decreto-lei 1.248/72, que mesmo alterado pelo Decreto-lei 1.894/81, não eliminou a subvenção para as operações de exportação realizadas pelos produtores; apenas ressalvou, contudo, que quando a venda ao mercado externo for realizada por empresa comercial-exportadora, mediante aquisição no território nacional e posterior remessa para o exterior, tais empresas
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é que farão jus ao incentivo, excluindo-se, portanto, as produtoras-exportadoras. A respeito do assunto, merece ser citada a seguinte decisão do TRF/5ª Região:
“TRIBUTÁRIO – CRÉDITO-PRÊMIO DE EXPORTAÇÃO – IPI – PRODUTOR-VENDEDOR – DECRETOS-LEIS NºS 491/69, 1.248/72 E 1.894/81 – LEI Nº 8.402/92 – ART. 41 DO ADCT DA CF DE 1988 – PRECEDENTES – O Decreto-lei nº 1.248, de 29.11.1972 (art. 3º), que dispôs "sobre o tratamento tributário das operações de compra de mercadorias no mercado interno, para o fim específico da exportação, e dá outras providências", estendeu ao produtor-vendedor os favores tributários dispensados aos exportadores, como forma de possibilitar a maior competitividade dos produtos nacionais. Tal benefício veio a ser renovado com o Decreto-lei nº 1.894/81 que, entretanto, fez restrições àquele concedido ao produtor-vendedor. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 extinguiu tais estímulos fiscais, por força do art. 41 § 1º, do ADCT, que considerou revogados os incentivos não confirmados por lei, no prazo de dois anos. Foram eles, contudo, restaurados pela Lei nº 8.402/92, cuja remissão ao art. 3º do Decreto-lei nº 1.248/72 alcançou este dispositivo em sua redação original. Revisão de posicionamento na AC 124959/CE desta Turma. Precedentes desta Corte e do STJ. Apelação e remessa oficial improvidas.”31
Mas a admissão de que a Lei 8.402/92 restaurou, efetivamente, a eficácia do direito ao crédito-prêmio do IPI implica negar vigência à legislação que disciplinou o incentivo até aquele momento. E isso não admitimos pelo singelo motivo de que a legislação que introduziu o incentivo no ordenamento, ou seja, o próprio Decreto-lei 491/69 continuava vigente e eficaz naquele momento. Não há motivos para pensar o contrário, precisamente porque se os decretos-leis que delegaram a atribuição ao Ministro da Fazenda para extinguir o crédito-prêmio são inconstitucionais, as respectivas portarias que o suprimiram são absolutamente ineficazes. Logo, o Decreto-lei 1.894/81, que restabeleceu à época o estímulo sem qualquer eiva de inconstitucionalidade nesse particular, dá suporte ao direito ao crédito-prêmio do IPI, independentemente da Lei 8.402/92.
Outra interpretação possível no que respeita ao suposto “restabelecimento” do incentivo implica a admissão de que o direito ao crédito prêmio de IPI constitua modalidade de incentivo fiscal de natureza setorial. Assim, como o artigo 41 do ADCT teria “revogado” os estímulos fiscais dessa espécie, a Lei 8.402/92 “ressuscitou” o que se encontrava extinto. Tem-se, contudo, que tais ilações não procedem pelos motivos anteriormente aduzidos. Seguramente, o incentivo instituído pelo Decreto-lei 491/69 não tem natureza fiscal, nem tampouco caráter setorial, dado que não se restringe a incrementar determinados setores da economia, mas sim promover a economia nacional como um todo.
31 TRF 5ª R. – AC 220085 – (2000.05.00.034063-9) – AL – 1ª T. – Rel. Juiz Castro Meira – DJU 22.12.2000 – p. 167
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6. As regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio do IPI
A teoria da regra-matriz de incidência tributária, concebida por Paulo de Barros Carvalho32, vem sendo largamente utilizada pela doutrina nacional tanto para explicitar os critérios de normas que instituem tributos, como também para pôr à mostra os elementos que compõem o antecedente e o conseqüente de outras regras pertencentes ao domínio do direito tributário. Assim, pode-se construir a regra-matriz da isenção, da repetição do indébito tributário, da denúncia espontânea, da suspensão da exigibilidade do crédito tributário e assim por diante. E seguindo essa trilha, pretendemos edificar as regras-matrizes do direito ao incentivo fiscal ao crédito-prêmio do IPI. Tal empreita permitirá a compreensão analítica do tema proposto. Antes disso, porém, é mister que sejam apresentados, em breves linhas, os critérios da referida regra.
A norma jurídica, em sua estrutura lógica, apresenta duas partes: a primeira delas, denominada antecedente, contemplará “uma previsão hipotética, relacionando as notas que o acontecimento social há de ter, para ser considerado fato jurídico ou a realização efetiva e concreta de um sucesso que, por ser relatado em linguagem competente própria, passa a configurar o fato na sua feição enunciativa peculiar”.33 A hipótese pode ser examinada sob três critérios que permitirão a identificação do fato jurídico: a) o critério material apresenta-se sob a forma de um comportamento humano traduzido por um verbo e seu complemento (p. ex. industrializar produtos); b) o critério espacial consiste no local em que se considera ocorrido o fato (p. ex. localidades específicas, território do município de São Paulo, território nacional etc.); e c) o critério temporal predica o marco temporal em que se reputa acontecido o fato.
A segunda parte da norma, denominada conseqüente, ambiente em que se alojam os efeitos jurídicos, é composta por dois critérios: a) o critério pessoal aponta os sujeitos da relação jurídica, ativo e passivo; e b) o critério quantitativo, à sua vez, é expressado pela base de cálculo (referência abstrata que permite a fixação da expressão econômica da hipótese) conjugado à alíquota, que consiste numa parcela ou fração da base de cálculo, embora também possa ser expressa em um valor monetário fixo.
Essa é a compostura normativa da teoria da regra-matriz. Todavia, para que os efeitos contidos no conseqüente da norma possam irradiar-se, é necessário que ocorra o fato nas exatas proporções materiais, espaciais e temporais estabelecidas pela hipótese. Ocorrido o fato, devidamente subsumido à norma, opera-se o fenômeno da incidência cuja conseqüência é justamente a instauração da relação jurídica por meio da qual o sujeito ativo tem determinado direito subjetivo que deve ser observado pelo sujeito passivo, a quem cabe o respectivo dever jurídico. Os sujeitos encontram-se enlaçados em torno de um objeto que consiste exatamente na conduta humana de dar, fazer ou não-fazer. Em se tratando de tributos, o objeto da relação jurídica consiste numa obrigação de dar determinada soma em dinheiro ao sujeito ativo. E essa importância pecuniária é aferida a partir da aplicação da alíquota sobre o montante da base de cálculo.
Fixadas essas idéias, passemos à tarefa de elaborar as regras-matrizes do direito ao crédito prêmio do IPI. Realmente, diz-se “regras-matrizes” na medida em que as alterações promovidas no incentivo pelo Decreto-lei 1.894/81 permite a
32 Curso de direito tributário, p. 238 e s.
33 Curso de direito tributário, p. 246-7
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construção de outra regra, embora muitos dos seus critérios estejam contidos no Decreto-lei 491/69. Para tanto, é indispensável a transcrição dos textos legislativos a partir dos quais serão construídas as regras-matrizes. O Decreto-lei 491/69 dispõe:
Art. 1º As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão, a título de estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas vendas para o exterior, como ressarcimento de tributos pagos internamente.
§ 1º Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Imposto sobre Produtos Industrializados sobre as operações no mercado interno. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 1.722, de 03.12.1979).
§ 2º Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formas indicados por regulamento. (Revogado pelo Decreto-Lei nº 1.722, de 03.12.1979).
Art. 2º O crédito tributário a que se refere o artigo anterior será calculado sobre o valor FOB, em moeda nacional, das vendas para o exterior, mediante a aplicação das alíquotas especificadas na Tabela anexa à Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, ressalvando o disposto no § 1º deste artigo.
§ 1º O cálculo previsto neste artigo poderá também ser efetuado sobre o valor CIF, C & F e C & I das vendas para o exterior, conforme definido em regulamento. (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto-Lei nº 1.118, de 10.08.1970)
§ 2º Para os produtos manufaturados cujo imposto tenha alíquota superior a 15% (quinze por cento), será este o nível máximo sobre o qual recairá o cálculo do estímulo fiscal de que trata este artigo.
Art. 3º Fica o Poder Executivo autorizado a:
I - fixar alíquotas, para efeito de crédito a que se refere o artigo anterior, para os produtos manufaturados que, no mercado interno, sejam não tributados ou isentos do imposto sobre produtos industrializados por qualificação de essencialidade;
II - elevar ou reduzir, genericamente ou para determinados produtos, o nível máximo a que se refere o § 2º do artigo 2º;
III - fixar, em caráter excepcional, alíquotas, exclusivamente para efeito do estímulo fiscal à exportação, superiores ou inferiores às indicadas na tabela anexa ao Regulamento aprovado pelo Decreto nº 61.514, de 12 de outubro de 1967;
IV - alterar as bases de cálculo indicadas no artigo 2º e seu § 1º. (Redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei nº 1.118, de 10.08.1970)
Art. 4º Os estímulos fiscais à exportação, inclusive os de que trata esta Lei, aplicam-se igualmente ao fabricante de produtos industrializados que tenha a sua exportação efetivada por intermédio de empresas exportadoras de cooperativas, de consórcio de exportadores, de consórcio de produtores ou de entidades semelhantes.
Art. 5º - É assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados.
§ 4º Não se aplicam às empresas comerciais exportadoras as disposições do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 1.158, de 16 de março de 1971.
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Desses enunciados prescritivos deflui a primeira regra-matriz do direito ao crédito prêmio do IPI, a saber:
a) Critério Material: Fabricar e exportar produtos manufaturados diretamente ou por meio de empresas exportadoras, de cooperativas, de consórcio de exportadores, de consórcio de produtores ou de entidades semelhantes;
b) Critério Espacial: Valendo-se do critério espacial da regra-matriz de incidência do imposto sobre exportações, podemos dizer, com apoio na doutrina de Miguel Hilú Neto34, que em face do critério temporal desse tributo – que coincide com o do direito ao crédito-prêmio do IPI – consistir na saída do produto do território nacional, será o lugar da ocorrência desse fato o critério espacial da regra-matriz do direito ao crédito-prêmio do IPI. E tal lugar, afirma Miguel Hilú Neto, “haverá de estar relacionado com as linhas demarcatórias do território nacional, sejam terrestres, marítimas, aéreas ou convencionais”.
c) Critério Temporal: É necessária uma prévia digressão antes da delimitação desse critério. Como vimos, o critério material é composto por dois verbos (fabricar e exportar), de modo que a exportação pressupõe a industrialização, colocando-se, pois, em um segundo momento. Se a norma tivesse se referido exclusivamente à venda, não teríamos dúvida de que o fato gerador consumar-se-ia com a saída do estabelecimento industrial ex vi do artigo 46, inciso II, do CTN. Porém, como visto, é necessário o ato de exportar determinado produto fabricado no país, seja por força do critério material da regra-matriz, seja porque o escopo do incentivo é incrementar as exportações. Diante disso, o importante é estabelecer em que momento ocorre o fato da exportação, o que pode ser definido a partir da hipótese de incidência do imposto de competência da União incidente sobre tal operação. Miguel Hilú35 reputa, com inteiro acerto, que o aspecto temporal do imposto incidente sobre exportações é a saída do território nacional a teor do artigo 23 do CTN. Deveras, deve-se aplicar o mesmo entendimento no que concerne ao momento em que se considera adquirido o direito ao crédito-prêmio do IPI, isto é, no momento da saída do produto do território nacional. É importante que se mencione, a esse respeito, o fato do Decreto 64.833, de 17 de junho de 1969, que regulamentou a matéria, dispor em seu artigo 3º que “Os créditos tributários previstos no art. 1º deste Decreto somente poderão ser lançados na escrita fiscal à vista de documentação que comprove a exportação efetiva da mercadoria, atendidas as normas baixadas pelo Ministério da Fazenda”. E a comprovação da exportação supõe, efetivamente, a saída do território nacional. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho36, Consultor da União, cujo parecer sobre o tema foi aprovado pelo Advogado-Geral da União, comunga do mesmo entendimento:
Pode-se, então, inferir que, na espécie, há, outrossim, uma complementação concernente ao elemento temporal da hipótese de incidência da obrigação, de modo que o fato gerador do incentivo é, no meu modo de ver, considerado ocorrido no momento da saída dos manufaturados para o exterior, ou seja, o embarque com destino ao exterior, conforme a jurisprudência, com supedâneo no art. 3º do Decreto nº 64.833/69 (5ª T. do TRF – AC 106.600-DF,
34 Imposto sobre importações e imposto sobre exportações. São Paulo : Quartier Latin, 2002, p. 143
35 Imposto sobre importações e imposto sobre exportações, p. 131-3
36 IPI – Crédito-prêmio – Exportação – Momento da Ocorrência do Fato Gerador do Benefício. In: Revista Dialética de Direito Tributário, v. 39, p. 108.
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AC 114.473-DF; 4ª T. do TRF da 1ª R – AC 89.01.13793-3-DF; 3ª T. do TRF da 1ª R – AC 89.01.24303-2/DF), que reconhece expressamente que o fato gerador do crédito-prêmio do IPI consuma-se com a efetiva exportação dos produtos industrializados.
Em suma, o critério temporal consiste na saída do território nacional do produto fabricado no país
d) Critério Pessoal: O sujeito ativo do direito ao crédito-prêmio é o particular que realiza a operação de industrialização e exportação do produto, diretamente ou por meio de empresa exportadora, cooperativa, consórcio de produtores ou entidades semelhantes (artigo 4º). O sujeito passivo é a União Federal, a quem foi imposto o dever de ressarcir o montante do crédito.
d) Critério Quantitativo: Como visto, o critério quantitativo é composto pela base de cálculo e pela alíquota. A base de cálculo escolhida pelo legislador é o valor FOB, em moeda nacional, das vendas para o exterior, a teor do artigo 2º do Decreto-lei 491/69. Todavia, o § 1º estabelece parâmetros diferentes conforme a forma de pagamento ajustada entre as partes. Assim, a base de cálculo poderá ser o valor CIF da venda, quando o transporte for realizado em veículo nacional (bandeira brasileira) e o seguro estiver coberto por empresa nacional; o valor C&F, quando simplesmente o transporte das mercadorias for realizado por veículo nacional; ou o valor C&F, quando o seguro das mercadorias exportados estiver segurado por empresa nacional. Como o Decreto-lei 491/69 se reporta à tabela de alíquotas do IPI, não foi definido um percentual determinado. No caso concreto, a alíquota será a mesma prevista para o produto para fins de IPI, observado que nunca poderá ser superior a 15%, conforme estatui o artigo 2º, § 2º.
Surge agora a outra regra-matriz do incentivo, nos moldes do Decreto-lei 1.894/81, que alterou o Decreto-lei 1.248/72. É oportuno consignar que tal diploma não alterou muitos dos critérios da regra-matriz prevista pelo Decreto-lei 491/69, de modo que nos reportaremos aos seus enunciados sempre que necessário. No que importa ao nosso intento, o Decreto-lei 1.248/72, com as alterações promovidas pelo Decreto-lei 1.894/81, dispõe:
Art. 1º As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno, quando realizadas por empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-Lei.
Parágrafo único. Consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para:
a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora;
b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento.
Art. 2º O disposto no artigo anterior aplica-se às empresas comerciais exportadoras que satisfizerem os seguintes requisitos mínimos:
I - Registro especial na Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S.A. (CACEX) e na Secretaria da Receita Federal, de acordo com as normas aprovadas pelo Ministro da Fazenda;
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II - Constituição sob forma de sociedade por ações, devendo ser nominativas as ações com direito a voto;
III - Capital mínimo fixado pelo Conselho Monetário Nacional.
§ 1º O registro a que se refere o item I deste artigo poderá ser cancelado, a qualquer tempo, nos casos:
a) de inobservância das disposições deste Decreto-Lei ou de quaisquer outras normas que o complementem;
b) de práticas fraudulentas ou inidoneidade manifesta.
§ 2º Do ato que determinar o cancelamento a que se refere o parágrafo anterior caberá recurso ao Conselho Monetário Nacional, sem efeito suspensivo, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, contados da data de sua publicação.
§ 3º O Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer normas relativas à estrutura do capital das empresas de que trata este artigo, tendo em vista o interesse nacional e, especialmente, prevenir práticas monopolísticas no exterior.
Art. 3º São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-Lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo à exportação, à exceção do previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969, ao qual fará jus apenas a empresa comercial exportadora. (Redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei nº 1.894 de 16.12.1981, DOU 17.12.1981)
Critério Material: Adquirir mercadoria no mercado interno e exportá-la.
Critério Espacial: Lugar aonde a mercadoria transpôs o território nacional, por qualquer linha demarcatória, seja terrestre, marítima, aérea ou convencional.
Critério Temporal: Saída da mercadoria do território nacional.
Critério Pessoal: O sujeito ativo, nesse caso, é a empresa comercial exportadora, enquanto que o sujeito passivo continua sendo a União Federal. É relevante destacar que acontecendo o fato que se subsume à presente regra-matriz, é vedado ao produtor-vendedor valer-se do crédito-prêmio do IPI, na forma definida pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69. Assim, se a exportação acontecer pela empresa comercial exportadora, mediante prévia aquisição da mercadoria no território nacional, o produtor não fará jus ao crédito-prêmio. É o que estatui o artigo 3º, acima transcrito.
Critério Quantitativo: A base de cálculo é a mesma prevista pelo artigo 2º do Decreto-lei 491/6937. Diante da omissão do Decreto-lei 1.248/72, as alíquotas são as mesmas previstas para os produtos exportados para fins de IPI, observado o limite de 15%, nos termos do artigo 2º, § 2º, do Decreto-lei 491/69.
37 Chama-se a atenção, todavia, para o fato de que a base de cálculo disposta no artigo 4º do Decreto-lei 1.248/72 não se refere ao crédito-prêmio do IPI, mas sim a outro incentivo fiscal concedido às empresas comerciais exportadoras consubstanciado no direito ao abatimento da base de cálculo do imposto sobre a renda do valor correspondente à diferença entre o preço do produto adquirido do industrial e aquele praticado (valor FOB) na operação de venda ao exterior
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Em suma, o que há de diferente nessa regra-matriz é o critério material que passou a ser “adquirir mercadoria no mercado interno e exportá-la” e o sujeito ativo que será a empresa comercial e exportadora.
Convém analisar, neste passo, o crédito-prêmio sob outro prisma. O artigo 1º do Decreto-lei 491/69 denomina o estímulo então instituído como “crédito tributário” que será aproveitado mediante ressarcimento de tributos pagos internamente. É claro que esse preceito não empregou a locução “crédito tributário” com o mesmo sentido que o Código Tributário Nacional, mormente os artigos 139 e seguintes. No bojo do CTN, crédito tributário foi utilizado como o direito da Fazenda Pública contra o sujeito passivo, decorrente do nascimento da obrigação ou da relação jurídica tributária pela ocorrência do fato gerador, pelo qual lhe é dado exigir o objeto da prestação. A teor do artigo 142, é o lançamento que constitui o crédito tributário. Paulo de Barros Carvalho38, com base nos postulados da Teoria Geral do Direito, afirma que a expressão crédito tributário corresponde ao “direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro”.
Como foi afirmado anteriormente, é evidente que o enunciado do artigo 1º do Decreto-lei 491/69 não utilizou os termos “crédito tributário” no sentido de direito do Fisco exigir o objeto da prestação do sujeito passivo. Contudo, o contexto desse preceito revela que o crédito-prêmio do IPI constitui um direito subjetivo, que se manifesta pela possibilidade de o particular, ocorrido o fato que desencadeia o nascimento da respectiva relação jurídica, postular da União Federal uma importância em dinheiro, cuja fruição sofre algumas limitações, na medida que em primeiro lugar deverá ser utilizada na compensação de débitos do IPI referentes a operações internas, em segundo lugar para compensação de outros tributos federais e, finalmente, será restituído em moeda corrente.
Expostas as regras-matrizes do direito ao crédito-prêmio do IPI, passa-se ao exame dos prazos para a postulação desse incentivo às exportações.
7. O prazo para o ressarcimento dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI
Em princípio, computa-se o prazo para o ressarcimento a partir do fato que faz nascer o direito ao crédito, isto é, a partir do instante em que se operar a exportação do produto ou da mercadoria, observados os critérios material, espacial e temporal das suas regras-matrizes. Como não se trata de incentivo fiscal, nem tampouco de hipótese de pagamento indevido de “tributo”, nos termos do artigo 165, incisos I a III, do CTN, aplica-se a regra veiculada pelo artigo 1° do Decreto 20.910/3239, que dispõe:
38 Curso de direito tributário, p. 359-60
39 Nesse sentido, tem-se o seguinte precedente do STJ: “Tributário. IPI. Crédito-prêmio. Ressarcimento. Decreto-lei nº 491, de 5.3.69. Prescrição. Correção monetária. Variação cambial. Juros moratórios. Honorários advocatícios. I -A ação de ressarcimento de créditos-prêmio relativa ao IPI prescreve em 5 (cinco) anos (Decreto-lei nº 20.910/32), aplicando-se-lhe, no que couber, os princípios relativos à repetição do indébito tributário. Ofensa aos arts. 173 e 174 do C.P.C. não caracterizada. II - A correção monetária é devida a partir da data da conversão dos créditos questionados em moeda nacional, na forma do art. 2º do Decreto-lei nº 491, de 1969, aplicando-se, desde então, a Súmula nº 46 – TRF, segundo o qual aquela correção “incide até o efetivo recebimento da importância reclamada”. III - Os juros moratórios são devidos, à taxa de 12% ao ano, a partir do trânsito em julgado da sentença. Aplicação dos arts. 161, § 1º e 167 parágrafo único, do C.P.C. Inaplicação dos arts. 58, 59 e 60 do Código Civil e do art. 1º da Lei nº 4.414/64. IV - Salvo limite legal, a fixação da verba advocatícia depende das circunstâncias da causa, não ensejando recurso especial.
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Art. 1º – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato da qual se originaram.
Foi ressaltado que em princípio o prazo computa-se da data em que ocorreu o fato que faz surgir o direito ao incentivo, pois outras hipóteses podem ser aventadas. Pelos motivos anteriormente expostos, especialmente o de que o estímulo em causa não tem natureza tributária, reputamos que não é aplicável ao crédito-prêmio o entendimento de que o prazo (5 anos ex vi do artigo 168 do CTN) para postular o reconhecimento de um direito de crédito (de natureza tributária) contra a Fazenda Pública, desde que se trate de tributo sujeito a lançamento por homologação – e todos os tributos atualmente administrados pela Secretaria da Receita Federal submetem-se a tal modalidade de constituição do crédito tributário -, computa-se após concluído o prazo de cinco anos contados do fato gerador, uma vez que, repita-se, não se trata de situação de pagamento indevido de tributo, mas sim do reconhecimento de um direito subjetivo de natureza financeira contra a Fazenda Pública.
Há, todavia, uma peculiaridade que deve ser considerada no que tange ao prazo para a recuperação dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI. Vimos que o STF, em sede de controle difuso, declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” constante do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1724/79. Essa decisão, contudo, é insuficiente para que se possa considerá-lo como um fato ou ato capaz de originar o nascimento do direito do particular reclamar o crédito-prêmio do IPI. No caso, a pronúncia de inconstitucionalidade produz efeitos apenas entre as partes do processo, de modo que o prazo qüinqüenal passou a fluir apenas para aquele contribuinte que fez parte da relação jurídica processual. Em sítio de controle difuso, faz-se mister a edição de norma geral (Resolução do Senado, Decreto do Presidente da República) para que outros particulares possam usufruir dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade, o que não ocorreu até este momento. Em situação desse jaez, a interpretação que se impõe diante das premissas estabelecidas é de que o prazo de cinco anos previsto pelo artigo 1º do Decreto 29.910/32 não se iniciou, ante a inexistência do fato capaz de dar início ao seu fluxo. E esse entendimento é compartilhado pela doutrina de Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes40:
b) no caso de pronúncia de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade (declaração incidenter tantum), em processo de interesse de outro contribuinte:
b.1) na data da edição de ato de caráter geral que estender a todos os interessados os efeitos da inconstitucionalidade declarada, reconhecendo estarem comprometidas a lei ou a exigência decorrente (Resolução do Senado, Decreto do Presidente da República etc.); ou
c) se não houver declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum em processo de interesse de outro contribuinte, na data em que o interessado obtiver do STF a pronúncia da invalidade do pagamento por
Súmula nº 389 – STF. Aplicação. V - Recurso especial não reconhecido.” (Recurso Especial nº 40.213-1 – DF - Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro - D.J.U. 1 de 12.8.96, p. 27466)
40 Inconstitucionalidade da lei tributária – repetição do indébito, p.77
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ele realizado, haja vista a inconstitucionalidade da lei que embasou a sua exigência.
Não se iniciou, portanto, em nível geral, o prazo para a propositura de demanda judicial em face da União Federal visando o ressarcimento dos valores devidos por força do direito ao crédito-prêmio do IPI. Por muito mais razão, no concernente à inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” veiculada pelo art. 3º do Decreto-lei 1.894/81 frente ao texto constitucional de 1967, que sequer foi apreciada pelo STF, também não ocorreu o fato a partir do qual se contará o prazo qüinqüenal.
8. Formas de ressarcimento
Antes do tema central desta seção ser abordado, é necessário um esclarecimento a respeito da revogação dos §§ 1° e 2° por meio do artigo 1° do Decreto-lei 1.722/79 que dispõe: “Art. 1º Os estímulos fiscais previstos nos artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 05 de março de 1969, serão utilizados pelo beneficiário na forma, condições e prazo, estabelecidos pelo Poder Executivo.” Dessa forma, o Decreto-lei 1.722/79 revogou as formas de ressarcimento previstas pelo Decreto-lei 491/69, remetendo a disciplina da matéria ao regulamento. Essa revogação, contudo, não se sustenta diante das normas que sucederam o Decreto-lei 1.722/79.
Como afirmamos em outros pontos deste trabalho, o Decreto-lei 1.894/81 restabeleceu o crédito-prêmio do IPI nos precisos termos do Decreto-lei 491/69, sem se reportar às modificações promovidas pelo Decreto-lei 1.722/79. E, vale repetir, o entendimento predominante é de que o Decreto-lei 1.894/81 restabeleceu o crédito-prêmio do IPI sem definição de prazo. Decorre daí que as formas de ressarcimento dos valores oriundos do direito ao crédito-prêmio do IPI são aquelas previstas pelo diploma que o introduziu no ordenamento, isto é, o Decreto-lei 491/69.
Não bastasse isso, a legislação atual, a ser comentada à frente, prevê as mesmas formas de ressarcimento previstas pelo Decreto-lei 491/69, embora a Secretaria da Receita Federal insista em negar a aplicação das respectivas regras em se tratando do crédito-prêmio do IPI.
De fato, o artigo art. 42 da Instrução Normativa SRF 210, de 30 de setembro de 2002, prescreve: “Não se enquadram nas hipóteses de restituição, de compensação ou de ressarcimento de que trata esta Instrução Normativa os créditos relativos ao extinto "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1o do Decreto-lei no 491, de 5 de março de 1969”. Anteriormente, o Secretário da Receita Federal baixara o Ato Declaratório 31 esclarecendo que não se aplicavam as regras veiculadas pela Instrução Normativa 21/97 no que tange ao ressarcimento do crédito-prêmio do IPI.
É evidente que essas regras têm por escopo proibir os agentes públicos de darem seguimento a pedidos de ressarcimento e desencorajar os particulares de buscarem o reconhecimento do direito pela via administrativa. Afinal, se o crédito prêmio foi “suprimido” do ordenamento, não faz sentido disciplinar o procedimento para seu ressarcimento. Contudo, infirmada a idéia de que a subvenção em causa foi extinta, surge a necessidade de se buscar na própria legislação que a instituiu os meios de ressarcimento, com a devida regulamentação das normas administrativas atualmente em vigor. A propósito, o STJ decidiu que “conforme estabelecido na legislação de regência, o benefício
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fiscal previsto no art. 1º do DL n. 461/69 (crédito-prêmio do IPI), tanto pode ser recebido em moeda corrente, como pode ser usado para o pagamento de outros tributos”41.
Sobremais, como o artigo 74 da Lei 9.430/96, com a redação do artigo 49, da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, além de ser posterior, disciplinou os temas pertinentes à restituição, ao ressarcimento e à compensação no âmbito dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, de maneira específica, aí está outro motivo para se reconhecer sua aplicação ao crédito-prêmio do IPI. E admitida a aplicação desses preceitos ao ressarcimento da subvenção em causa, também se conclui que está superado o § 2° no que concerne à compensação com débitos de “impostos federais”, uma vez que o artigo 74 da Lei 9.430/96 o permite em se tratando de quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal. Passemos agora ao exame da legislação em vigor.
No campo das restituições e dos ressarcimentos de créditos do particular contra a União Federal, aplicam-se os artigos 73 e 74 da Lei 9.430/96, este último com a redação dada pelo artigo 49 da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, como também a Instrução Normativa SRF 210 de 30 de setembro de 2002. Nesses diplomas, foram previstas as figuras restituição e ressarcimento, sendo que esta se subdivide em dedução, compensação e pagamento. E nos termos do artigo 1°, §§ 1° e 2°, do Decreto-lei 491/69, há três formas previstas para o ressarcimento dos valores42 devidos a título do crédito-prêmio do IPI, cuja ordem é sucessiva: a) dedução dos débitos a título de IPI referentes a operações internas; b) compensação com débitos de outros impostos federais; e c) outros modos estatuídos em regulamento. Portanto, são plenamente compatíveis os diplomas citados, desde o mais antigo até a novel Instrução Normativa SRF 210/2002.
A dedução43 constitui técnica de redução do ônus tributário que se opera por meio da base de cálculo ou alíquota. Em se tratando do IPI, que se submete ao
41 EREsp 44.727-DF – Rel. Min. Demócrito Reinaldo – DJU 14.12.98, p.85
42 Ricardo Mariz de Oliveira assevera, com acerto, que “a aquisição do direito aos créditos fiscais a título de incentivo, que tenham natureza jurídica de subvenções econômicas para custeio de operações, não é receita nem é sujeita à incidência da COFINS e da contribuição ao PIS”.(PIS/COFINS: Incidência ou não sobre créditos fiscais (créditos-prêmio e outros) e respectivas cessões. In: 10° Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário – Grandes Temas da Atualidade. São Paulo : IOB, 2001, p. 55) Segue-se então que os valores auferidos pelo exportador por força do direito ao crédito-prêmio do IPI não traduzem “receitas” para fins de incidência da COFINS e da contribuição ao PIS.
43 Segundo Ricardo Lobo Torres: “A dedução é benefício que diz com a base de cálculo ou a alíquota, e não com o montante do imposto, como ocorre com a redução ou crédito fiscal. Na dedução diminui-se a base de cálculo com o que se obtém um imposto menor, mas não se reduz diretamente o quantum do tributo. A natureza da dedução é de uma isenção parcial, ou seja, dispensa do pagamento de uma parcela do tributo devido ou suspensão da eficácia da norma impositiva em seu aspecto quantitativo.As deduções foram largamente empregadas no direito tributário, sob a alegação de justiça ou de conveniência para o desenvolvimento econômico. No imposto de renda de pessoa física, por exemplo, admitiram-se as deduções da renda bruta (dependentes, médicos, dentista, etc). Nos impostos não-cumulativos também foram concedidos generosamente, sob o apelido de redução de base de cálculo. Hoje estão sob a crítica contundente da doutrina. As modificações introduzidas pela Administração Reagan no imposto de renda eliminaram as incontáveis deduções, coisa que acabou por repercutir em inúmeros outros países, inclusive no Brasil, que pela Lei nº 7.713/89, revogou a maior parte das deduções. Algumas das deduções como aquela em favor dos dependentes, aqui e no estrangeiro, retornaram ao ordenamento tributário por força de decisões judiciais ou de previsão legislativa, pois a sua extinção feria o mínimo existencial e os direitos humanos. Mas, de um modo geral, as deduções estão sob a suspeita de ilegitimidade, pois “representam assistência monetária prestada 29
primado da não-cumulatividade, a “dedução” prevista pelo artigo 1° do Decreto 491/69 se opera mediante o reconhecimento na escrita fiscal do respectivo crédito que adicionado aos demais créditos e contrastados com os débitos proporciona a fixação do montante devido. À vista disso, a técnica da “dedução” prevista pelo Decreto-lei 491/69 significa, na verdade, a consagração de um “crédito fiscal” que subtraído do débito proporciona o estabelecimento do valor da prestação em dado momento a título de IPI. Tratando do antigo ICM, Paulo de Barros Carvalho44 sublinha que o princípio da não-cumulatividade “opera no seguimento arrecadatório, consoante o regime específico de configuração do montante relativo a cada período de recolhimento”. É impróprio, portanto, falar-se em “dedução” na espécie, na medida em que o aproveitamento do crédito não produz efeito na base de cálculo ou na alíquota do IPI. E examinando-se o artigo 14 da Instrução Normativa SRF 210/200245, constata-se que realmente a “dedução” ali prevista visa a diminuição da importância devida a título de IPI. Para essa forma de ressarcimento, não se exige a realização de prévio requerimento à Administração Pública (mas não é vedado e até mesmo aconselhável diante da postura extremamente formalista adotada em muitas oportunidades pela Secretaria da Receita Federal), bastando o cumprimento dos deveres acessórios de registro dos fatos nos instrumentos competentes, guarda e conservação dos documentos e livros, regularidade na escrituração etc.
Ingressando agora na segunda hipótese, a compensação, convém registrar que, ao contrário da ”dedução”, está-se diante de típica hipótese de extinção das obrigações. No direito tributário, os artigos 156, inciso II, e 170 do CTN prevêem que a compensação constitui forma de extinção do crédito tributário. A compensação realiza-se mediante o encontro de duas relações jurídicas: uma, versando sobre o crédito tributário, enquanto direito subjetivo da Fazenda Pública; outra, versando sobre o crédito do particular, na qualidade de direito subjetivo do próprio particular. O fato da compensação
pelo governo.” (Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar. 1999, v. II, p. 364-5)
44 A regra matriz do ICM,1981, p. 367. Apud MELO, José Eduardo Soares de. O IPI na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais,1991, p. 86
45 “Art. 14. Os créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), escriturados na forma da legislação específica, poderão ser utilizados pelo estabelecimento que os escriturou na dedução, em sua escrita fiscal, dos débitos de IPI decorrentes das saídas de produtos tributados.§ 1o Os créditos do IPI que, ao final de um período de apuração, remanescerem da dedução de que trata o caput poderão ser mantidos na escrita fiscal do estabelecimento, para posterior dedução de débitos do IPI relativos a períodos subseqüentes de apuração, ou serem transferidos a outro estabelecimento da pessoa jurídica, somente para dedução de débitos do IPI, caso se refiram a:I – créditos presumidos do IPI, como ressarcimento das contribuições para o Programa de Integração Social e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), previstos na Lei no 9.363, de 13 de dezembro de 1996, e na Lei no 10.276, de 10 de setembro de 2001;II - créditos decorrentes de estímulos fiscais na área do IPI a que se refere o art. 1o da Portaria MF no 134, de 18 de fevereiro de 1992; e III – créditos do IPI passíveis de transferência a filial atacadista nos termos do item 6 da IN SRF no 87/89, de 21 de agosto de 1989”.
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(encontro entre créditos e débitos) será efetivado por meio de ato do particular46 ou da Administração Pública47, nos termos em que a lei prescrever.
Ambos, crédito tributário e crédito do particular, carecem da veiculação de norma para sua constituição. O crédito tributário é constituído pelo lançamento (ato administrativo), nos termos do art. 142 do CTN, ou pelo auto-lançamento (ato do particular), quando a lei assim o prever. O crédito do particular é constituído por ato administrativo ou por ato do próprio titular, decisão judicial passada em julgado, como também via instrumentos primários (a lei, p. ex.) e secundários (o Decreto do Presidente da República, p. ex.).
A previsão de que o aproveitamento da subvenção pode ser efetuado via compensação não dispensa o particular de formalizar o seu direito mediante a apresentação de requerimento de ressarcimento à autoridade competente, conforme exige o artigo 14, § 2º, da Instrução Normativa SRF 210/2002. Observado esse procedimento, o particular poderá efetuar a auto-compensação, devidamente formalizada por meio da declaração de compensação, ou formular pedido de compensação, que será efetuada, portanto, pela autoridade administrativa competente.
Por derradeiro, a Instrução Normativa SRF 210/2002 prevê o pagamento48 como forma de ressarcimento. Embora não esteja prevista expressamente no texto do artigo 1°, § 2°, do Decreto-lei 491/69, o fato desse preceptivo referir-se ao regulamento, ato administrativo normativo, autoriza a conclusão de que a atual Instrução Normativa SRF 210/2002, que disciplina os procedimentos de ressarcimento, dentre os quais encontra-se o pagamento, é aplicável ao crédito-prêmio do IPI. Assim, frustradas as outras formas de ressarcimento, a União Federal deverá efetuar o pagamento, mediante a entrega ao benefício da respectiva soma em dinheiro. O particular deverá formular cumulativamente pedido de ressarcimento e de pagamento.
9. Demandas judiciais adequadas à obtenção do reconhecimento do direito ao crédito-prêmio do IPI
O Secretario da Receita Federal baixou a Instrução Normativa 226, de 18 de outubro de 2002, determinando que: “Art. 1º Será liminarmente indeferido: I - o pedido de restituição ou ressarcimento cujo direito creditório alegado tenha por base o "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969”.
Não é preciso muito esforço para se concluir que afora a violação às garantias constitucionais do direito de petição e do devido processo legal, trata-se de prática imoral por parte da Administração Pública, que deve ser repudiada. Em um Estado
46 Os artigos 21 a 23 da Instrução Normativa SRF 210/2002 prevêem a possibilidade de o próprio particular efetuar a compensação que se materializará por meio da "Declaração de Compensação"
47 Os artigos 24 a 28 da Instrução Normativa SRF 210/2002 disciplinam a compensação efetuada pela Administração Pública.
48 A respeito do pagamento como forma de ressarcimento, consulte-se os artigos 40 e 41 da Instrução Normativa SRF 210/2002.
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Republicado, não é dado aos administradores deixarem de processar e examinar pretensões dos particulares, mediante a conduta do “indeferimento liminar”. Em que pese tenha sido editada essa esdrúxula regra, a realidade é que o particular tem direito de recorrer dessa decisão e com isso obter a devida resposta da Administração Pública por parte das instâncias superiores.
Seja como for, a existência desse preceito também justifica a propositura de demanda judicial visando o reconhecimento do direito ao crédito-prêmio. A tutela jurisdicional poderá ser buscada por meio das seguintes ações, conforme as peculiaridades do caso concreto e a pretensão do particular: a) mandado de segurança; b) ação declaratória; c) repetição do indébito; e d) anulatória do ato administrativo denegatório.
É pacífico na jurisprudência que o mandado de segurança pode ser utilizado, desde que presentes seus pressupostos legais e respeitadas as características que limitam o espectro dessa garantia constitucional, visando a declaração da existência de um direito subjetivo contra a Fazenda Pública, uma vez que desse reconhecimento decorrerão efeitos mandamentais notáveis. Outrossim, há farta jurisprudência no sentido de que “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”, conforme enuncia a Súmula 213 do STJ”. Portanto, é viável que o particular promova mandado de segurança, em caráter preventivo ou repressivo, visando a declaração do direito ao ressarcimento dos valores relativos ao crédito-prêmio no que tange a exportações passadas ou futuras, podendo cumular esse pedido com outras providências conexas, tais como cômputo de correção monetária e juros, aplicação de determinadas normas em lugar de outras etc. A mera declaração judicial, contudo, será insuficiente para que o particular obtenha a realização do ressarcimento, na medida em que essa providência deverá ser requerida pela via administrativa. E a autoridade administrativa competente deverá, obviamente, seguir os parâmetros da decisão judicial.
A ação declaratória também constitui instrumento hábil ao reconhecimento do direito ao crédito-prêmio, mas com uma vantagem em relação ao mandado de segurança que merece ser destacada: o procedimento ordinário, que é o adequado para a ação declaratória, comporta a produção de provas na fase de instrução, o que não é possível em se tratando do mandado de segurança. Nesse aspecto, a ação declaratória pode ser mais vantajosa. No mais, observa-se que a sentença de procedência produz essencialmente os mesmos efeitos daquela que concede o mandado, mormente porque gera efeitos mandamentais, elimina o estado de incerteza e fixa um verdadeiro enunciado prescritivo no que tange ao conflito de interesses levado ao processo.49
A sentença de procedência proferida em processo relativo a ação de repetição de indébito apresenta eficácia declaratória e condenatória. Assim, é declarada a inexistência ou existência de determinada relação jurídica e, via de conseqüência, condena-se a Fazenda Pública ao pagamento de soma em dinheiro, cuja execução será realizada por meio do precatório ex vi do artigo 100 da Constituição Federal. Por aí se vê que a ação de repetição de indébito apenas será rigorosamente apropriada se o particular comprovar que ele faz jus ao ressarcimento mediante pagamento. Do contrário, faltará interesse processual no tocante à condenação, dado que a ordem prevista pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69 é
49 MARINS, James.Direito processual tributário brasileiro (administrativo e judicial). 2ª ed. São Paulo : Dialética, 2002, p.388-91
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sucessiva, e o ressarcimento em moeda corrente apenas é cabível se as outras formas restarem frustradas.
Não pode ser ignorado que nossa jurisprudência, em homenagem aos princípios da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional, tem decidido que a sentença proferida em sede de ação de repetição de indébito pode ser utilizada com vistas à compensação de créditos e débitos do particular50.
Outro meio posto à disposição do particular consiste na propositura de ação anulatória da decisão administrativa que denegar o direito ao crédito-prêmio do IPI. Mas nesse caso o prazo não será de apenas dois anos conforme prevê o artigo 169 do CTN, visto que não se trata de “repetição de indébito tributário” e assim não se aplicam as disposições desse estatuto, salvo em caráter supletivo. Então, o prazo é de cinco anos, a teor do art. 1º do Decreto 20.910/32.
10. Conclusões
À luz do exposto, pode-se com concluir:
a) O direito ao crédito-prêmio do IPI, instituído pelo Decreto-Lei 491/69, ampliado pelo Decreto-lei 1.248/72 e mantido pelo Decreto-lei 1.894/81, constitui incentivo financeiro da espécie subvenção e se rege pelo direito financeiro;
b) Ao lume da Constituição de 1967, era proscrita a delegação de competência a Ministro de Estado em matéria reservada ao decreto-lei. E o tema “finanças públicas” apenas poderia ser disciplinado por decreto-lei ex vi do artigo 55, inciso II. Daí decorre a inconstitucionalidade dos artigos 1º do Decreto-lei 1.724/79 e 3º do Decreto-lei 1.894/81, que delegaram ao Ministro da Fazenda a atribuição, dentre outras, de suprimir o crédito-prêmio do IPI;
c) A pecha da inconstitucionalidade, contudo, não atinge as demais normas que mantiveram o estímulo financeiro, de modo que o Decreto-lei 1.894/81, que expressamente confirmou o Decreto-lei 491/69, está vigente e deve produzir os efeitos que lhe são ínsitos;
d) A decisão proferida pelo STF, no que concerne à declaração de inconstitucionalidade da expressão “ou extinguir” constante do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, não gera efeitos “erga omnes”, visto que proferida em sede de controle difuso.
50 Nesse sentido: “AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – SENTENÇA ESTIPULANDO COMPENSAÇÃO – OPÇÃO POR RESTITUIÇÃO VIA PRECATÓRIO – OFENSA À COISA JULGADA – FORMA DE EXECUÇÃO DIVERSA – FIM DA SENTENÇA ALCANÇADO – I – Quando o autor requereu o reconhecimento do seu crédito, não fez pedido de mera declaração de sua existência, mas visava com isto obter meio para receber tal valor. Assim, a sentença não se limitou a declarar a existência do crédito, mas condenou o instituto a restituí-lo da maneira como expressamente pretendia o autor – compensação. II – Com a superveniente modificação no estrutura funcional do autor – não mantendo mais empregados contratados – impossibilitando a compensação, a disponibilização de meio diverso de restituição do indébito – no caso o precatório requisitório, não macula a coisa julgada, mas, ao contrário, privilegia o bom direito alcançado no processo de cognição, que, caso contrário, se perderia. III – Recurso a que se nega provimento”. (STJ – AGRESP 227048 – RS – 2ª T. Relª Minª Nancy Andrighi – DJU 26.03.2001 – p. 00414) e “PROCESSUAL CIVIL – COMPENSAÇÃO – AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO – SENTENÇA – POSSIBILIDADE – Com o trânsito em julgado da ação de repetição de indébito julgada procedente, torna-se incabível o ajuizamento de ação pretendendo a compensação de valores objeto daquele processo. Com base na sentença proferida em repetição de indébito é possível obter a compensação sem a necessidade de ajuizamento de nova demanda. Recurso improvido”. (STJ – REsp 216.865 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU 27.09.1999 – p. 62)
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Ademais, a referida pronúncia não abrangeu o artigo 3º do Decreto-lei 1.894/81, que também delegou atribuições ao Ministro da Fazenda para “extinguir” o incentivo;
e) O artigo 41 do ADCT, que prevê a “revogação” dos incentivos fiscais setoriais para os casos em que não houve confirmação por parte da pessoa política competente, é inaplicável ao crédito-prêmio, na medida em que se trata de estímulo financeiro de caráter geral;
f) Os enunciados constantes dos Decretos-lei 491/69 e 1.248/72 (este com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei 1.894/81) permitem a formação de duas regras-matrizes no que tange ao direito ao crédito-prêmio do IPI;
g) O prazo para que o exportador possa pleitear o ressarcimento conta-se, em princípio, do fato que faz nascer o direito ao incentivo segundo os critérios da regra-matriz aplicável ao caso. O lapso é de cinco anos ex vi do artigo 1º do Decreto 20.910/32. Todavia, há outros fatos que também fazem surgir o direito à postulação do crédito-prêmio, dentre eles destaca-se a pronúncia de inconstitucionalidade em sede de controle concentrado e a expedição de norma com eficácia geral, tal como Resolução do Senado, em se tratando de controle difuso. Mas como não foi expedida nenhuma dessas normas no que concerne ao crédito-prêmio do IPI, o que é agravado pelo fato de o STF sequer ter apreciado a delegação de competência ao Ministro consagrada pelo artigo 3º do Decreto-lei 1.894/81, não ocorreu o fato que desencadeia o nascimento do direito de ação, estando em aberto o prazo para que os exportadores busquem a tutela jurisdicional;
h) A Lei 8.402/92 efetivamente “restabeleceu” o crédito-prêmio do IPI nos moldes do Decreto-lei 491/69 e legislação posterior. Entretanto, tal “restabelecimento” é ineficaz, uma vez que as normas que antecedem a citada lei – especialmente o Decreto-lei 1.894/81 (artigo 1º), salvo aquelas que carregam o defeito da inconstitucionalidade – mantiveram sua vigência e eficácia e foram recepcionadas pela Constituição de 1988;
i) o crédito-prêmio do IPI pode ser ressarcido de três formas, cuja ordem é sucessiva: a) dedução dos débitos a título de IPI referentes a operações internas; b) compensação com débitos de outros tributos federais; e c) outros modos estatuídos em regulamento. A referência ao regulamento, ato administrativo normativo, autoriza a conclusão de que a atual Instrução Normativa SRF 210/2002 é que disciplina os procedimentos de ressarcimento, dentre os quais encontra-se o pagamento, que apenas será aplicável se frustradas as formas anteriormente previstas; e
j) Na esfera judicial, o particular poderá se valer das seguintes ações para postular o direito ao crédito-prêmio: a) mandado de segurança; b) ação declaratória; c) repetição do indébito; e d) anulatória de ato administrativo denegatório. Cada uma com suas características, limites e efeitos, motivo pelo qual o caso deverá ser avaliado particularmente para que então seja utilizado o instrumento processual mais adequado.
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